ESTÓRIA ANTIGA –
Problema (ou virtude?) da idade. Com facilidade, lembro das coisas boas e agradáveis dos passados, com a mesma velocidade com que esqueço as chatas. Esta estória, por exemplo, é, pelo menos, divertida.
Surgiu de repente. Dando tratos à bola, antes de dormir, veio-me à cabeça uma ocorrência do meu tempo de menino e que encontra paralelo até hoje. Meu pai, com razão, digo hoje, mas ficava fulo da vida então, me fazia trabalhar na firma dele todos os dias, depois das aulas. Estudava no Colégio Pedro II, do Professor Severino Bezerra, um dos melhores de Natal. Ficava perto do escritório e quando saía da aula andava até lá. Ribeira, começando o enorme movimento que veio a ter com a guerra. Isso foi no começo dos anos quarenta.
E comecei minha “contribuição” no começo. Varrendo a loja. indo aos Correios buscar correspondência, volumoso pois a firma dele, representações, recebia, e remetia, uma enormidade de cartas, tanto para o Brasil como o Exterior.
Quando voltava dos Correios, abria os envelopes, com cuidado para não estragar os selos, pois ele era colecionador. Saía para entregar correspondência aos nossos clientes ou as levava aos Correios para postá-las. Movimento grande. E aí me estimulou a responder às cartas. No começo, corrigia e mandava fazer de novo. Eram tantas, que terminei aprendendo. E assumi responsabilidade pela correspondência. Isso me fez aprender datilografia. Essas correspondências eram muito simples e repetitivas; só mudavam os endereços; hoje, vejo como os computadores nos teriam ajudado!
Às vezes, os assuntos eram mais complexos. Um dos mais constantes eram informações comerciais. Se o cliente era bom pagador, confiável, merecedor de crédito. Lembro-me de um caso, um cliente que nós não conhecíamos, e fui perguntar a alguns amigos nossos. O primeiro com quem falei dispensou conversas com outros. Esse cara não paga a ninguém, é mentiroso e engana todo mundo, até a mulher.
Uma experiência inestimável. Uma das minhas obrigações era arquivar essas correspondências. Chato e cansativo. Mas foi um hábito que ficou até hoje. Arquivo meus documentos por cinco anos, para provar que não devo a ninguém!
Dalton Mello de Andrade – Escritor, ex-secretário da Educação do RN, dandrade@dmandrade.com.br
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