EU, JULIE & JULIA –

Ontem me impus uma tarefa: não ligar o computador!

Trocando em miúdos: não trabalhar!

Precisava de uma folga. Coluna e ombro doendo por tanto tempo montando aulas, avaliações, roteiros. É prazeroso, amo o que faço, porém, estava cansada e me dei esta ordem. Arrumei gavetas, caixas de remédios e fui trocar os lençóis (parece que não escapei do trabalho). Odeio trocar lençóis!

Tem pessoas que não gostam de encher açucareiro ou garrafas d’água. Tem quem não goste de ir ao supermercado ou à feira. Minha implicância é com os lençóis. Amo a sensação de me deitar naquele lençol com cheirinho de amaciante e um pouco de colônia infantil na fronha, coisa que sempre faço (poucas gotinhas de um cheirinho carregado de memórias). Só que, trocar lençóis é um saco e faço isso em banho-maria, lentamente, intercalando cada cama com outra atividade qualquer.

Enfim, liguei automaticamente a TV enquanto olhava para os travesseiros e me perguntava se já era hora de substituí-los por novos e um diálogo já conhecido me chamou atenção. Estava passando Julie & Julia! Nem sei quantas vezes já assisti. E, meio sem jeito por me entregar a uma preguiça desconcertante, sentei-me abraçando o travesseiro e esticando minhas pernas numa posição que me fez compreender que a troca dos lençóis demoraria muito mais que os cinco minutos exigidos pela tarefa.

Comecei a ver o filme e uma das cenas me trouxe diversas lembranças. Em um determinado momento a mãe de Julie a questiona o motivo por ela continuar escrevendo um blog. “Ninguém lê!”, ela diz. E Julie tenta dar razões para continuar.

Lembrei que algum tempo atrás eu escrevia outro blog, o diário de uma gordinha (já sei, não sou criativa com os nomes dos blogs. Em minha defesa, cresci lendo Diário de Ana Maria, Diário de Anne Frank e na vida adulta o ‘Diário de um banana’, portanto, não me julguem!). Comecei em 2012, relatando minha briga cruel entre a balança e a cabeça. A escrita me permitiu achar um equilíbrio que não imaginei que encontraria.

Naquela época assisti a este mesmo filme e o mesmo diálogo me fez pensar: por que escrevo?

E quase parei…

Quase parei porque em alguns momentos me peguei olhando o número de visualizações e comecei a questionar se escrevia para mim ou para os outros. Estava habituada a escrever, mas sempre para mim ou, no máximo, as redações para meus professores na escola. Escrevi diários até a véspera do casamento. Naquela época, mamãe me dava diários com cadeadinhos e chaves minúsculas que nunca seriam capazes de guardar meus segredos postos nas páginas coloridas. Mas, para o tamanho dos meus segredos, eles eram mais que suficiente.

Enfim, passaram-se algumas cenas do filme e a pergunta continuava martelando minha cabeça: por que escrever? Por que continuo insistindo em escrever blogs? Larguei o travesseiro, levantei, estiquei o lençol, coloquei a fronha e me respondi: porque amo escrever! Basta! Hoje, mais madura, não pelo passar dos anos, mas pelas experiências vividas, entendo que as palavras curam.

Curam de outras palavras que nos feriram. Curam de um silêncio mal resolvido. Curam pelas lágrimas que não permitimos rolar ou que saíram tão desenfreadamente que as palavras foram entrecortadas por soluços. Curam também quando não são ditas, por respeito a uma sensatez que as guarda para serem ditas carinhosamente mais tarde. Curam…

Por isso, mantenho-me aqui, tentando colocar em palavras tudo que está dentro de mim.

E quanto a Julie & Julia?

Ah, elas me levaram a fazer pão!

Mas isso é assunto para a próxima postagem.

 

Bárbara Seabra – Cirurgiã-dentista e professora universitária

 

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