Todos nós já nos deparamos com algumas cenas de filmes ou reportagens televisivas nas quais são mostradas as rotinas de crianças e adolescentes de outros países. Em muitas delas, observamos que há pais que optam por proverem a educação dos filhos em sua própria casa, sem que eles frequentem o ambiente escolar; é o chamado homeschooling, ou ensino domiciliar. No Brasil esse cenário não é comum, mas será que, juridicamente, os pais ou responsáveis estão autorizados a escolherem um modelo de educação alternativo? Ou será que, obrigatoriamente, as crianças devem frequentar as escolas? O tema é alvo de grandes discussões no meio jurídico e social.

A consagrada expressão homeschooling é definida como aquele ensino lecionado no domicílio do aluno, por um familiar ou por pessoa que com ele habite; em outras palavras, a criança ou adolescente é educada sem ir à escola, seja ela pública ou privada. Esse método pedagógico ainda é visto com maus olhos em nosso país, mas já é prática comum em nações como Portugal e Estados Unidos. Dados da Global Home Education, por exemplo, apontam que mais de 2% dos alunos norte-americanos são educados em casa – o que representa milhões de crianças e adolescentes.

A problemática esbarra em dois aspectos: o social e o jurídico.

Do ponto de vista social, os que defendem a viabilidade do método educativo alternativo põem em xeque a clara defasagem do sistema educacional pátrio, quando comparado a outros países, principalmente diante da falta de investimento em estrutura e profissionais capacitados – o que atinge, vale lembrar, não só a rede pública. Ainda, os pais adeptos ao ensino domiciliar, afirmam que, em casa, podem passar o conhecimento de acordo com as concepções política, ideológica e religiosa que desejam para seus filhos, sem influência da figura do professor ou de colegas de classe.

Já aqueles contrários ao homeschooling têm como principal argumento social a ausência do elemento “sociabilidade” no ensino doméstico. É importante ressaltar que a escola não é apenas um ambiente de absorção de conhecimento técnico e científico, mas também representa a primeira oportunidade de os pequenos estabelecerem relações sociais, conviverem com as diferenças e terem a oportunidade de amadurecimento que não teriam se estivessem restritos a seus lares.

Já do ponto de vista jurídico, paira certa dúvida acerca da legalidade ou não do ensino domiciliar.

Nossa Constituição Federal não impõe expressamente a obrigatoriedade de um método de ensino, dando a entender que caberá à lei fazê-lo. De fato, o art. 6º da Lei de Diretrizes e Bases da Educação, bem como o art. 55 do Estatuto da Criança e do Adolescente, dizem que os pais ou responsáveis devem, obrigatoriamente, matricular seus filhos ou pupilos na rede regular de ensino. Com base nestes dispositivos normativos, a maior parte dos juristas e da população como um todo entendem ser proibida a prática do homeschooling no Brasil.

Por outro lado, algumas ponderações merecem ser feitas. Primeiramente, nossa Lei Maior, em seu art. 205, atribui ao Estado e à família o dever de educação dos menores. E, da mesma forma, em seu art. 206, elenca como princípios do ensino a liberdade de aprender e o pluralismo de concepções pedagógicas. A Constituição prima, portanto, pela proteção do direito de liberdade e do direito à educação – sem especificar por quais meios ela seria alcançada.

Em segundo lugar, deve-se ter em mente que a Lei de Diretrizes e Bases da Educação foi editada justamente para regulamentar o sistema tradicional de ensino, além do fato de ter sido promulgada no ano de 1996, momento no qual ainda não se tinha plena consciência de outros métodos educativos. Ou seja, não se pode afirmar categoricamente que a lei veio para excluir outras formas pedagógicas (mesmo porque, em seu próprio art. 1º, §1º, fala que o ensino se desenvolve predominantemente em instituições próprias de educação).

A relevância do debate é percebida diante das situações concretas: imaginemos uma criança criada sob orientação religiosa minoritária em nosso país e que, por seus costumes e crenças, já sofreu episódios de discriminação pelas escolas nas quais passou; não seria mais racional permitir que seus pais tenham a liberdade de, se assim desejarem, prover a educação de seu filho dentro de sua casa? É apenas um dos vários exemplos nos quais o ensino domiciliar aparece como boa alternativa, pois não determina qualquer medida, mas apenas viabiliza uma outra opção para os pais que assim julgarem melhor.

Independentemente de qualquer posição, o tema ainda está longe de ser pacificado. Do ponto de vista jurídico, o Supremo Tribunal Federal irá julgar, a qualquer momento, uma ação na qual sua decisão irá orientar a (i) legalidade do ensino domiciliar. Enquanto não o faz, a Associação Nacional de Ensino Domiciliar – ANED informa que cerca de três mil famílias brasileiras já educam seus filhos em casa.

A realidade está posta. O fato é que já houve, inclusive, condenações criminais de pais que se valeram do ensino domiciliar, sem que a menos haja uma conclusão acerca da licitude ou não do homeschooling no ordenamento brasileiro.

Seja qual for o pensamento particular de cada um, o importante é que decisões sejam tomadas, tanto do Judiciário quanto do Legislativo – afinal, a matéria precisaria ser detalhadamente regulamentada – para que não se perpetue esse estado de incerteza.

Tais considerações introdutórias estão longe da pretensão de exaurir o assunto. Fiquemos com a reflexão.

Leonardo Linck SquillaceAdvogado- Rosado, Medeiros & Rêgo

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

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