EU, VASCO MOSCOSO DO ARAGÃO –
Voltei à Grã-Bretanha, país onde vivi uma diminuta parte da minha vida. Agora, numa excursão “carneirinho”, compatível com a minha idade. Dessas programadas de antemão nos mínimos detalhes restando ao usuário só concordar com o que vai dizer o guia, mas nem sempre (por mais erudito que ele possa ser). Desta vez preferi ficar ao sabor da minha ignorância, das coisas acontecendo e seus consequentes riscos. Me entreguei aos meus olhos. Só admirando as paisagens que apareciam. Nas horas vagas, indo onde me apetecia. Foi legal. Como diz um amigo meu, o verdadeiro orgasmo só acontece depois, quando você espalha. Fato sem escapatória, assim reza a cultura latino-americana abaixo do equador. Tirando sexo da jogada, ao fim e ao cabo, as viagens não terminam com a volta ao canto de partida mas quando podem os seus “highlights” serem contados a alguém, de preferência a alguém que não foi com você e que, providencialmente, é utilizado como destinatário e eco possível de prolongadas e maçantes narrações.
Rememorei lugares e situações, o verde exuberante daquela terra, por exemplo, que eu não conheço mais verde no mundo. O que me fez relembrar Proust dizendo “A recordação faz-nos respirar de repente um ar novo, precisamente por ser um ar já respirado. Que os verdadeiros paraísos são os que já perdemos”. Ou a dúvida e a surpresa sobre coisas e gente aparecidas ao acaso durante a viagem “Ah! O senhor é que é o Pestana?”(como Machado se adapta a tudo). Em Londres, algumas coisas aparentemente desapareceram: os clubes privês de masturbação no Soho, por exemplo. Formava-se uma fila que respeitosamente era obedecida, 10 libras à época, por cabeça. Dava pra ver, de costas, o ligeiro espasmo muscular do cliente que lhe antecedia e o ligeiro ato de fechar o zipper. O cara passava por você e de modo bem britânico, curvava a cabeça em sinal de cumprimento, circunspecto com aquela sensação de dever cumprido. Anos loucos aqueles, mas sinal dos tempos, no entanto.
A água Seltzer em sifão pra misturar com uísque (que meu sogro adorava) se já era rara nos pubs, desta vez foi motivo de riso, o barman desconhecia. O “Shandy”, um refrigerante com percentual mínimo de cerveja e liberado pra todas as idades, tomou chá de sumiço. Talvez no Tesco, me disseram, mas não tive tempo de conferir. Nem os meus cigarros preferidos o “555”, os “three fives”, como se dizia há quase meio século. Beber em Covent Garden continua uma grande pedida. O “fish and chips” sofreu uma ligeira alteração na forma de apresentação e feitura. Ao invés do linguado (a nossa popular e rejeitada “sôia” que nem no Aurélio desta forma escrita existe), o prato agora é feito com Haddock. Haddock? – perguntou um colega de viagem, O que é isto ? Viu falar sobre a rua Haddock Lobo, em São Paulo? Hum1 … E a conversa mudou de assunto como se nada tivesse acontecido. A insipidez da iguaria continua a mesma. Mas outras coisas continuam firmes e fortes, a mostarda “Colman´s” de Norwich, o “Clotted Cream” de Devon pra se saborear com morango ao invés do creme de leite convencional e o extrato de carne “Bovril” para se fazer um “gravy” legítimo e acompanhar um mal passado e assódico roasted beef.
As mulheres, no contra-fluxo da estética estabelecida, me pareceram mais cheinhas (algumas obesas mórbidas de tanta batata frita, suponho). As batatas das pernas delas continuam enormes, também. O cinza dos olhos delas, de arrepiar, ainda persiste. A combinação das vestimentas dos machos não melhorou nem um pouco: calças listradas, blazer xadrez, camisa quadriculada, tudo numa tacada só. Aboliram a gravata quadriculada no contexto. Meno male. A “London Eye”, que não é do meu tempo, a total enganação. Tudo organizado, limpo e ordeiro, só que apesar da altura não se vê nem a “ London Bridge”. Nem tem qualquer informação do que você está a ver lá de cima. Pague 35 libras vá até lá e constate que Paris é mil vezes mais bonita do que Londres. As coisas se me repetiam como dízimas periódicas. O ônibus se aproximava de Stratford upon avon e o guia esgotando tudo sobre o bardo Inglês, antes de chegarmos à sua casa (força de expressão, pois a casa em que ele nasceu foi destruída num incêndio). Tentando combater a monocórdica exposição, perguntei se Shakespeare era viado ou se era só fofoca. A tensão tomou conta do ar, após algumas risadas. Se olhar matasse eu não estaria aqui agora enchendo o saco de vocês. Senhor, não se deve falar mal dos mortos, eles não está mais aqui pra se defender. Desculpa aí, amigo, me refiro ao conteúdo dos seus sonetos. Desconheço o detalhe específico ao que o Sr. se refere, ao que me consta alguns dos seus poemas foram dedicados à dama de negro sem conotação homossexual alguma, poderia recitar partes de alguns deles. Encurralado, me antecipei recitando parte do soneto 126 “O thou, my lovely boy, who in thy, dost hold Times´s fickle glass …”.Notei que ele sentiu o golpe e terminei: me refiro aos sonetos 27 , 29 , 30 , 55 , 56 , 104 , 106 e 126. O Sr. deve ter notados que recitei um trecho do 126. O Google nos acompanha, poderíamos checar o que digo. O rosto avermelhou, calado estava, calado ficou.
No final da excursão foi só troca de elogio e de endereços. Disse que se algum dia fosse ao Brasil entraria em contato. Disse quase rindo que eu sou um bom papo. Pois sim! Os escoceses ainda insistem em saber das coisas. Continuam bebendo “ Teacher´s”, “Bell´s” e o “Famous Grouse”. As tortas continuam quadradas ao invés das redondas servidas na Inglaterra. Irlanda é sinônimo de Guiness, sem falar na ruma de poetas e escritores lá nascidos e um pulo no museu e na fábrica imperdíveis. Sim, ver a região dos lagos num ônibus é a melhor forma de curtir a região. Exceto se você programar umas férias por lá. Casei de mentirinha em Gretna Green, fronteira entre Inglaterra e Escócia. A julgar pelas reações, os amigos do face confundiram a pureza e a essência do meu gesto. Ia esquecendo, o casamento real não teve esses estardalhaços por lá, não. Vi uma parte dele na “Harrods”. Os caras pareciam não estar nem aí. Ah, o turismo e as diversas facetas do seu imaginário. Escolhi assim e me dei bem. Como alguém que “Ideou as batatas em suas várias formas, classificou-as pelo sabor, pelo aspecto, pelo sabor nutritivo, e fartou-se antemão do banquete da vida. Frase pinçada de Machado, de novo, pois ele é que nem Bach, aguenta qualquer porrada.
Excelente matéria, meu caro Delfino. Achei ótimo você afirmar que os whisky Teatcher e Bell’s ainda permanecem na preferência do escoces.
Trinta e tantos anos atrás, entrei num pub londrino e pedi um whisky e me foi servido um Bell’s. Gostei!
Forte abraço.
Valeu , Narcelio !