Oito em cada dez réus por feminicídio cometidos no Grande Rio em 2018 estão presos. É o que mostra um levantamento exclusivo, que inicia nesta quarta-feira (17) uma série de reportagens sobre o tema.
A pesquisa, baseada nos dados do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), identificou 47 ações penais com essa tipificação na Região Metropolitana – área de 21 municípios formada pela capital, Niterói, São Gonçalo, Itaboraí, Maricá, as 13 cidades da Baixada Fluminense mais Tanguá, Cachoeiras de Macacu e Rio Bonito.
Dos 47 processos analisados, 38 acusados estão detidos com prisão preventiva decretada, um número que equivale a 80%. Entre os presos, um já foi condenado e outros oito têm julgamento marcado.
A pesquisa aponta ainda que quatro acusados respondem ao processo em liberdade (veja os dados abaixo) e cinco estão foragidos.
Um dos procurados é Paulo Fernando de Lima Júnior, acusado de matar a namorada Claudia Miotello da Silva, em agosto, em Queimados.
O Observatório Judicial da Violência Contra a Mulher aponta que em todo o estado do Rio foram registrados 88 casos de feminicídio em 2018, entre eles estão casos do Sul e interior do RJ e também crimes de tentativa de feminicídio, que não foram analisados no levantamento feito pelo G1.
Embora o número das prisões referentes aos crimes do ano passado não possa ser comparado aos anos anteriores – pois não existem levantamentos com esses dados – especialistas consideram “relevante e positivo” o fato de terem sido efetivadas 80% de detenções.
“É um dado relevante, de alguma forma, até positivo. A gente comemora o número de prisões, isso é importante porque o sistema de Justiça está ali dizendo: ‘É um crime grave, precisa haver efetividade e punição para esses agressores’. Mas, ao mesmo tempo, quando vemos esse número elevado, também discutimos em que tipo de sociedade a gente está vivendo, tão polarizada, onde a cultura do ódio, da dominação, ainda está tão presente”, opina a juíza Adriana Ramos de Mello, titular do 1° Juizado da Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher.
Entre os casos que ganharam destaque no ano passado estão o da corretora Karina Garofalo, executada a tiros em agosto, no Recreio, na frente do filho, a mando do ex-marido; o de Patrícia Mitie Koike, espancada pelo namorado até a morte após discussão no mês abril, em Nova Iguaçu; e o de Cristiane Ferreira da Silva, assassinada pelo namorado com um tiro de fuzil na frente da filha no Jacarezinho. Todos os acusados pelos crimes estão presos.
“Infelizmente, a minha prima não volta mais. Não sei se eu fico contente só com a prisão dele, porque sabemos que as penas no Brasil são brandas e o Rafael [ex de Cristiane] é um monstro. Ficaria mais tranquila se ele ficasse preso eternamente. Ele cometeu um crime de tamanha crueldade que não dá pra comparar com mais nada no mundo. Sentimos muita falta da Cristiane. Peço às mulheres que se afastem ao menor sinal de abuso, seja físico ou verbal”, alerta a cantora Lanor, do grupo Donas, prima de Cristiane.
O feminicídio passou a ser uma qualificadora do crime de homicídio em 2015, com a lei federal 13104/2015. Desde então, instituições como a Justiça, o Ministério Público e as polícias Civil e Militar estão dando mais visibilidade aos casos. Entretanto, a juíza ressalta que o comportamento do sistema de Justiça e da sociedade em relação aos agressores passou a mudar há menos tempo.
A juíza ainda reforça que os agressores sempre achavam uma brecha para a soltura ou para terem suas penas atenuadas.
“Sempre se tentava, de alguma forma, patologizar esse agressor, ou colocando ele como uma pessoa doente ou sob efeito de álcool ou de drogas, ou ainda dizendo que ele não fez um mal à sociedade e, sim, especificamente a uma determinada mulher. Agora, com a lei, a gente observa uma mudança de paradigmas na sociedade e também no sistema de Justiça. É um crime grave. Essa pessoa precisa ser segregada da sociedade com a sua prisão”, justifica Adriana.
Uma vítima a cada 7 dias
Apenas nos dois primeiros meses do ano, oito mulheres foram vítimas de feminicídio – sendo 5 delas assassinadas por conhecidos e 3 por atuais companheiros – e 63 sofreram tentativa de feminicídio. Os dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), com casos registrados em todo o estado nos meses de janeiro e fevereiro de 2019, apontam que uma mulher foi vítima de feminicídio a cada 7 dias no RJ.
“Uma mulher morrer a cada 7 dias no Rio de Janeiro é um índice alto e alarmante. Ao mesmo tempo que esse índice nos assusta, ele tem o poder de mostrar que esse crime precisa ser investigado. Ninguém acorda num dia e resolve matar sua esposa ou ex-esposa. Na verdade, o feminicídio é a reta final de uma cadeia de vários crimes que aconteceram anteriormente”, comenta a deputada Martha Rocha, que preside a CPI do Feminicídio instaurada em fevereiro na Assembleia Legislativa do Rio de janeiro (Alerj).
“Hoje, com a visibilidade desse crime de ódio, que afeta mulheres de diferentes camadas sociais, o lado positivo disso é que as pessoas entenderam que esse crime tem que ter a efetividade da prisão, da punição e que a gente não pode tolerar a impunidade nos casos de feminicídios”, analisa Martha Rocha.
Novos protocolos para investigação
Entre as ações previstas pela CPI do Feminicídio estão visitas às delegacias de mulheres, aos centros de acolhimento às vítimas, e também a convocação de representantes da Polícia Civil e do Judiciário para entender por que há tantas falhas nas medidas protetivas.
A deputada ressalta ainda que a CPI tem como objetivo diagnosticar o problema e estabelecer estratégias de enfrentamento.
“Por conta do aumento de casos, nós entendemos a necessidade de se fazer uma CPI sobre o feminicídio, que pretende fazer um diagnóstico desse problema e depois estabelecer estratégias de enfrentamento para reduzir o número de casos e para garantir a punição dos autores desse crime. Ao final, a CPI vai oferecer um relatório com recomendações e protocolos pra que sejam acolhidos pelos poderes do estado, Justiça, Polícia, Ministério Público, pela Defensoria, até mesmo unidades de saúde, e todos esses atores que integram a rede de proteção à mulher”, explica a deputada.
Fonte: G1