“FAZER PINTO” – 

Nasci e me criei em Nova-Cruz (RN) e sempre ouvi este termo, extraído da sabedoria popular, “fazer pinto”. Significava furto pequeno de dinheiro, quase sempre feito por filhos, que queriam comprar alguma coisa e os pais não concordavam. Quando os pais notavam que tinham sido lesados, os filhos eram punidos com carões e proibições de sair de casa.
No entanto, se o furto de dinheiro, mesmo de pequeno valor, fosse feito entre pessoas estranhas, não era aceito como “um pinto”, nem “danação” de adolescente. Tinha a conotação de crime previsto no Código Penal.

Se um empregado fizesse “pinto” no caixa do patrão, no mínimo, estaria despedido.
Moças e rapazes se gabavam de “fazer pinto” na carteira do pai ou na bolsa da mãe, para pagar alguma coisa do seu interesse, sempre de valor pequeno.
Em suma, “fazer pinto” estava ligado a surrupiar pouco dinheiro, de alguém da família, aos poucos, e sem que a pessoa lesada percebesse logo.

Fazer pinto ficou conhecido como o ato de subtrair dinheiro em casa, do pai ou da mãe, em pequeno valor, para gastar com alguma coisa supérflua. Quando os “pintos” saíam do âmbito familiar, e eram vultosos, o caso mudava de aspecto e o autor levava nome de ladrão. “Fulano enriqueceu dos “pintos” que fazia no trabalho.” “Sicrano ganhava muito bem, fora os “pintos” que fazia.”

Américo Pinto, boêmio cearense, que há anos morou em Natal, repetia sempre: “Sou Pinto, mas não faço “pinto.”

Pois bem. Um rapaz bonito e boçal casou-se com uma moça feia, filha única de um grande vendedor de galináceos, que fornecia galinhas às casas particulares, hospitais, hotéis etc.

O rapaz, que antes era pobre e andava mal vestido, do dia pra noite, apareceu com roupas elegantes, e passou a frequentar a alta sociedade, gastando muito com bebidas caras, festas etc. Tornou-se um gastador compulsivo e vaidoso.

Quando as pessoas que o conheceram pobre, lhe perguntavam a origem da sua fortuna, insinuando que ele só podia ter sido sorteado na loteria federal, ele ria e dava sempre a mesma resposta:

-São os “pintos”.

E era verdade. A fonte do farto dinheiro que ele “rasgava” era oriunda da venda dos pintos da criação do sogro. Estava criando coragem, para se apossar também, do dinheiro da venda das galinhas.

Para ele, não era crime “fazer pinto”. Era a mesma coisa de “fazer dinheiro”.

Na cabeça do desonesto, quando muito, “fazer pinto” é um pecado venial. Porém, os mais antigos não admitem isso e consideram pinto uma desonestidade.
“Fazer pinto” não deixa de caracterizar um furto, mesmo em pequenas proporções. Daí o ditado popular: “cesteiro que faz um cesto, faz um cento”. Quem costuma “fazer pinto” é um ladrão em potencial.
O oitavo Mandamento da Lei de Deus está relacionado a furto ou roubo, caracterizando-os como crime. Roubar não é apenas tirar os bens de uma pessoa. Roubar também é não pagar o salário devido, ou pedir emprestado, sem devolver. Quem furta comete uma injustiça, ao se locupletar com aquilo que não lhe pertence.

Na realidade, Pinto era uma moeda de Portugal, também chamada CRUZADO NOVO, e valia 480 réis fortes. Vigorou do século XVIII a XIX. Muito citada na literatura portuguesa, essa moeda significava dinheiro miúdo.

Portanto, em Portugal, “pinto” não tinha nada a ver com a cria da galinha, nem tão pouco com pequeno furto. Pinto era dinheiro vivo e miúdo. Ali, fazer, tirar ou criar pinto era conseguir de qualquer maneira, honesta ou não, as moedas reluzentes de 480 réis portugueses.

A partir dessa moeda portuguesa, criou-se, no Brasil, a expressão corriqueira “fazer pinto”, com a conotação de “pequeno furto.”

 

 

 

 

 

Violante Pimentel – Escritora

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