Faz muito tempo. Eu e ele saímos da Casa da Ribeira após o show. Fomos colocar a conversa em dia, lá para as bandas de Ponta Negra. O restaurante estava vazio. Apareceu um amigo em comum e a conversa foi longe. Após ter dado notícia da musa Afonsina, seus carinhos e cuidados, o papo que rolou, fora algumas miúdas exceções, foi só música mesmo. Umas doses de uísque de faz de conta, e bem aguadas. Entremeadas de solos de violão de cair o queixo, que ele tocava como quem não queria nada. Dando aquela falsa impressão de negligência e distração. Como se fosse a coisa mais simples do mundo, tocar violão como ele toca. Imaginei os que pagaram ingresso pra vê-lo naquela noite, ver a gente agora, naquela paz, ouvindo-o tão de pertinho. Amizade tem dessas coisas. Recordações, conversas fiadas, e dicas de ouro que dariam um livro pra quem gosta do assunto. O segredo, por exemplo, para quem tenta imitar o som dos acordes do João Gilberto e não consegue. Um dos inúmeros detalhes seria definitivamente pulsar com força suficiente a quarta corda do violão quando predominarem acordes elaborados com certas cordas soltas (coisa não muito fácil de fazer, até se masterizar a técnica). Aparentemente simples, Nonato Luiz nunca faz concessão no seu modo de tocar peças populares ou eruditas. Quer sejam de sua autoria, ou não. É tudo do jeito dele. Daí a fama adquirida em salas de concerto ao redor do mundo. Dando mais vida à obra de Luiz Gonzaga, dos Beatles e muitos outros. Naquele dado momento, eu cantei um pouquinho só pra provocar: “É o amor/Que mexe com minha cabeça e me deixa assim/Que faz eu lembrar de você e esquecer de mim…! Foi quando ele começou a solar um exuberante arranjo da peça de Zezé Di Camargo & Luciano. Quando eu toquei essa versão pra Mirosmar, Zedelfino… Mirosmar? O nome dele é Mirosmar! (Risos). Quando terminei, ele de olhos arregalados perguntou. Eu fiz isso aí? Fez não, Zezé , essa aqui quem fez fui eu. Saiu dos céus das nossas bocas gargalhadas um tanto preconceituosas. Afinal, não existe música boa ou ruim e sim a interpretação, também boa ou ruim, que cada um faz delas, Zé. Sei que você não concorda, mas a minha melhor composição até hoje, acho que foi “Choro Acadêmico” que está naquele “songbook” que eu te dei de presente. Pois é, tudo é relativo: Jorge Amado e Paulo Coelho foram traduzidos em diversos idiomas. Viu no que deu? É exatamente isso, meu amigo. O funcionamento da aceitação se insere muito no trabalho da mídia. Onde toda e qualquer obra, independente da sua qualidade, funciona feito uma mentira que de tanto se repetir vira verdade. O tal do reflexo condicionado que o Pavlov incutiu no cachorrinho.