FILMES DE TRIBUNAL –

Em inglês, “trial movies”, “trial films” ou “courtroom dramas” são designações comumente utilizadas para uma subdivisão do gênero “legal films”, isto é, dos filmes cujo enredo tem considerável ligação com o Direito. Muito embora essa questão de gêneros e subgêneros em cinema seja motivo para longos debates, com inúmeros exemplos de filmes cuja classificação é controversa ou que podem ser classificados em mais de um (sub)gênero, como “courtroom dramas” podem ser classificados, basicamente, os filmes cuja estória se passa perante uma corte de justiça em pleno funcionamento, com advogados, promotores e juízes realizando suas performáticas peripécias jurídicas. Em regra, como pano de fundo filosófico, há a tensão entre a falibilidade do sistema (ou da “justiça humana”) e a noção, com forte apelo no Direito Natural, do que é a verdadeira Justiça. Desse ponto em diante, as coisas variam bastante: os enredos podem focar o réu, a vítima, o advogado brilhante, o promotor que busca incessantemente a Justiça, o juiz “justo”, o controverso instituto do júri e por aí vai.

Conhecidos em português como “filmes de tribunal”, embora eles levem muitas vezes a visões equivocadas sobre a realidade do sistema judicial (afinal, essencialmente, são obras de ficção), são muitíssimo apreciados tanto por leigos como por aqueles que possuem formação jurídica. Eu, digo logo a vocês, gosto muito.

Segundo Nicole Rafter, em artigo intitulado “American Criminal Trial Films: An Overview of Their Development, 1930-2000” (e que faz parte do livro “Law and Film”, editado por Stefan Machura e Peter Robson, Blackwell Publishers, 2001), a produção hollywoodiana de “trial movies” retroage à década de 1930, com clássicos do gênero, como “A Mocidade de Lincoln” (Young Mr. Lincoln”, 1939), que retrata o primeiro caso defendido pelo grande presidente norte-americano Abraham Lincoln (interpretado por Henry Fonda), um dos mais famosos e competentes rábulas – já que ele foi, segundo se diz, um autodidata – que a história do Direito registra. E vem bater no boom de filmes jurídicos da década de 1990, boom esse que não mostra sinais de que vai cessar neste começo de século XXI. É desse período, entre muitos outros, o maravilhoso “Acima de Qualquer Suspeita” (“Presumed Innocent”, 1990), com Harrinson Ford (no papel principal), Brian Dennehy e Raul Julia, baseado no romance homônimo de Scott Turow. De 1992, por exemplo, é “Questão de Honra” (“A Few Good Men”), com uma belíssima Demi Moore e protagonizado por Jack Nicholson e Tom Cruise. Quem assistiu a “Questão de Honra”, não há de esquecer a frase dita, já no finalzinho do filme, pelo primeiro ao segundo: “Você não suportaria a verdade!”. Isso sem falar nos muitos filmes baseados na obra de John Grisham, como “O Cliente” (“The Client”), de 1994, com Susan Sarandon,Tommy Lee Jones e Brad Renfro nos papéis principais. Aliás, a produção de ”filmes jurídicos” com a marca de John Grisham parece não ter fim, bastando lembrar, em inglês, os títulos “The Firm”(1993), “The Pelican Brief”(1993), “A Time to Kill”(1996), “The Chamber”(1996), “The Rainmaker”(1997), “Runaway Jury”(2003) e por aí vai.

Mas, certamente, os últimos anos da década de 1950 e os primeiros da década de 1960 constituem o período de ouro dos “trial films”. São desse período, pelo menos, sete clássicos do gênero e, por que não dizer, do cinema como um todo.

Em 1957, o diretor Sidney Lumet nos deu “Doze Homens e uma Sentença” (“12 Angry Men”), com Henry Fonda no papel do jurado que, no confinamento da sala secreta, obstando a unanimidade (burra, neste caso, confirmando a sentença do nosso Nelson Rodrigues), consegue convencer os demais onze jurados para fins de absolvição do jovem réu. Também de 1957 é “O Homem Errado” (“The Wrong Man”), no qual Alfred Hitchcock nos conta a história/estória e os sofrimentos de um homem acusado por um crime que não cometeu. Ainda de 1957 é “Testemunha de Acusação” (“Witness for the Prosecution”), talvez o melhor dos “courtroom dramas” (pelo menos para o meu gosto), dirigido por Billy Wilder e baseado em peça homônima de minha amiga Agatha Christie. É estrelado por Tyrone Power, Marlene Dietrich, Elsa Lanchester e Charles Laughton. Laughton interpreta, brilhantemente, o velho e irascível advogado Sir Wilfrid Robarts que, comicamente, tem de enfrentar a estranha “testemunha de acusação” e a própria enfermeira. Em 1959, James Stuart estrela o clássico “Anatomia de um Crime” (“Anatomy of a Murder”), filme de Otto Preminger. “Jimmy” Stuart é um advogado que defende um militar acusado de assassinar o suposto amante de sua mulher.

Já em 1960, nós temos “O Vento Será Tua Herança” (“Inherit the Wind”), com Spencer Tracy,Fredric MarcheGene Kelly nos papéis principais. O filme põe na tela grande, com doses de ficção, o famoso “O Julgamento do Macaco”, ocorrido nos EUA em 1925, no qual um professor é processado por ofender lei que proibia o ensino do Darwinismo em escolas do Estado. Em 1961 temos a obra-prima “O Julgamento de Nuremberg” (“Judgment at Nuremberg”), cujo enredo gira em torno do julgamento, pelos aliados, de juristas alemães que ocuparam posições importantes no aparelho judicial durante o período nazista. Vencedor de 11 Oscars, o elenco – com Spencer Tracy, Burt Lancaster, Richard Widmark, Marlène Dietrich, Maximilian Schell, Judy Garland, Montgomery Cliff e Werner Klemperer – fala por si. Por fim, em 1962, “O Sol é para Todos” (“To Kill a Mockingbird”), baseado no romance homônimo, vencedor do prêmio Pulitzer, de Harper Lee. Gregory Peck faz o papel de Atticus Finch, advogado honrado que, no conservador Alabama pós Crise de 1929, defende um homem negro, acusado de haver estuprado uma jovem branca.

Ontem mesmo, para descansar das peripécias do verão, fiz duas “audiências” seguidas: “Doze Homens e uma Sentença” e “Testemunha de Acusação”. Resultado: adorei. Não foi à toa que esses sete clássicos receberam, em diversas categorias, incontáveis indicações para prêmios, como o Oscar, o Globo de Ouro e o BAFTA. E muitas vezes venceram, registre-se.

Minha ideia: (re)assistir a todos eles e, misturando Cinema e Direito, realizar as mesmas peripécias jurídicas nas minhas próximas audiências na vida real. O que vocês acham? Dará certo? Bom, de toda sorte, devagarzinho, contarei tudo a vocês.

 

Marcelo Alves Dias de Souza Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP

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