Diógenes da Cunha Lima

O amor e a poesia, se explicados, perdem o sutil, íntimo e misterioso encanto. A consulesa Consuelo Saint-Exupéry é tratada em O Pequeno Príncipe como flor, que movimenta todo o texto.

A flor é mais uma prova de inexplicável amor do escritor. Saint-Exupéry, homem fascinado, reconhece os defeitos da companheira: vaidosa, imodesta, complicada, contraditória, astuciosa. Saint-Exupéry, contudo, sabe que precisa regá-la com água fresca e protegê-la sob redoma contra o frio da noite.

Do Cairo, em carta à sua mãe, em janeiro de 36, Saint-Exupéry diz: “É terrível deixar atrás de si alguém que precisa de você como Consuelo; torna-se imensa a necessidade de voltar para proteger e abrigar”. A sua mulher, vezes consolo, seria pequena e frágil.

Consuelo frágil? Ninguém crê. Ela é estremada sempre. Alternadamente, pétala macia e perfurante espinho. Não sabe ele, o marido, da sua origem. Certamente, veio de outras experiências e de El Salvador. Didier Dourat já não acredita nessa fragilidade e diz que ela é mulher, que tem muita coisa em comum com o vulcânico país de origem: veemente, grosseira, explosiva, volúvel, cheia de energia.

Em verdade, Consuelo passa a ser de Saint-Exupéry depois de dois casamentos e mais um não oficializado. Teve vida movimentada e fértil, estuda na Califórnia e no México, onde casa com um Oficial do Exército, que logo morreria. Foi amante do escritor e filósofo José Vasconcelos, que a direciona a Paris. Lá, é amante e, depois, novamente casa com o escritor e empresário Enrique Gomez Carillo. Menos de um ano convivem, e Consuelo dele se torna herdeira, com notável fortuna.

Em 1930, ela conhece Saint-Exupéry na Aliança Francesa de Buenos Aires. Ao ser convidada para sobrevoar a cidade, recebe do aviador uma pequena chantagem:  a recusa faria o piloto jogar o avião nas águas do rio Prata. Prefere o beijo.

O casamento trouxe o mais terno dos amores poéticos e brigas devastadoras, aventuras e estranhas rotinas, traições, encontros e separações, alegrias e desencantos. Tonho é o marido alto e forte, de coragem ímpar, surpreendente em tudo. A mulher, pequena, imprevisível, criativa, faz-se princesa. Assim inspirado, Saint-Exupéry deseja ainda escrever um segundo livro, que se chamaria A Pequena Princesa. Léon Werth, o amigo do casal, explica: “Tu não serás nunca uma rosa com espinhos, mas a princesa do sonho que espera sempre o pequeno príncipe”.

Consuelo, rica também em sedução, escritora, pintora, escultora, mulher experiente, vive sempre além da realidade, inclusive se torna amiga dos surrealistas como Michel Duchamp e Salvador Dalí.

Em 1944, um pescador de Marselha encontra, no fundo das águas do Mediterrâneo, a derradeira lembrança desse amor e da tragédia, um bracelete de prata. Nele, a flor gravada: Consuelo de Saint-Exupéry.

Diógenes da Cunha LimaEscritor, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN

 

 

 

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