As campanhas de apelo por ajuda humanitária às populações carentes do mundo veiculadas na televisão causam na minha pessoa um misto de tristeza e indignação. A tristeza é provocada por um sentimento de extrema compaixão, e a indignação é reforçada por uma revolta impotente, por saber e entender que a maioria do sofrimento das crianças famintas e doentes, espalhadas por países e continentes, poderia ser minorado e talvez extinto se não fossem a insensibilidade e a brutal e vergonhosa concentração da riqueza em posse dos milionários da Terra.
O Relatório de Davos 2022 expôs desafios e chegou a várias conclusões. Destacamos as principais: as 10 pessoas mais abastadas têm mais riquezas do que a combinação de 40% da população mais pobre (em torno de 3,1 bilhões de pessoas); empresas de alimentos, medicamentos, energia e tecnologia tiveram lucros imensos durante a pandemia; um alto imposto, mesmo temporário sobre o lucro excedente das 32 empresas mais lucrativas geraria em torno de 104 bilhões de dólares em recursos. Ações que, nem de longe, abalariam o volume das fortunas pessoais, obtidas não só por esforço e capacidade empreendedora dos abonados, mas também – e principalmente – pelo trabalho assalariado sem o qual não seria possível gerar suas riquezas. O banqueiro precisa do bancário; o dono de terras e o criador, do colono; o industrial não produz sem o operário, e assim por diante. Entretanto, no final da cadeia produtiva, o capital se apropria da maior parte do resultado, restando para a mão-de-obra – a força mais importante no processo – apenas um parco salário, uma retribuição carente do complemento capaz de remunerar com justiça o esforço e a obra. O sistema capitalista já foi confrontado com a identificação desse elemento, a que o filósofo Karl Marx chamou de mais-valia.
Uma leitura na relação dos bilionários do mundo provoca algumas reflexões. A não ser para ostentação e sensação de domínio e poder, uma pessoa necessita realmente de tantos dólares? Em que e como alguém irá usar tanta grana? O homem mais rico da Terra poderá – como dizia um amigo – rasgar dinheiro todo dia e, mesmo assim, não ficará pobre. Sem precisarmos lembrar dos antigos que, com bom humor e verdade, pregavam que “mortalha não tem bolso”, ou seja, ao morrer, você não levará consigo nem um centavo da sua fortuna. Ter dinheiro, porém, não é pecado. Pode, sim, tanto um camelo passar no fundo de uma agulha, como um rico entrar no reino dos céus. A honestidade e a justiça no manuseio da riqueza ajudariam muito,
caso tivessem interesse no galardão.
Sabemos que existem alguns ricaços que têm destinado parte dos seus bilhões como ajuda econômica em campanhas humanitárias, através de Fundações pessoais e familiares. Um deles já anunciou que, em vida, pretende ceder 99% da fortuna e incentiva outros a fazerem doação de metade dos seus bens em benefício de povos carentes. Se não for hipocrisia, é uma ilha de desprendimento e generosidade em meio aos exemplos da gananciosa concentração de riqueza, característica do capitalismo deletério e corruptor. As crianças doentes e famintas e as vítimas das guerras insanas nos inúmeros campos de refugiados na África e no Oriente Médio, reféns de governos hipócritas e corruptos, muitos servos de potências exploradoras, seriam beneficiadas com esse desvio da opulência dos magnatas, em prol do seu sustento e do crescimento. As lágrimas que comovem profissionais e voluntários dedicados a abrandar seu sofrimento seriam enxugadas pelo conforto de se verem tratados como seres humanos dignos e merecedores da vida, com direito ao mesmo alimento, à mesma água e a respirar o mesmo ar.
Alberto da Hora – escritor, músico, cantor e regente de corais
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