FRANÇA E O “RISCO” DO BRASIL –
Não há como fugir das apreensões, em relação ao futuro da humanidade, sobretudo pelo início em breve do novo governo.
Os atuais protestos sociais na França são emblemáticos e acendem o “alerta” do que poderá acontecer em outras nações, inclusive o “risco” de repetir-se no Brasil.
Ninguém previu o renascimento da extrema direita de Marine Le Pen, unida nas ruas de Paris à extrema esquerda de Jean-Luc Mélenchon, causando inquietações, que se alastram até nas democracias aparentemente sólidas.
Na última segunda feira, Macron enfrentou a crise, decretando “estado de emergência econômico e social”. Mudou o seu método de governar, que era amarrado à lógica do mercado, defendida pelo primeiro ministro de ultra direita, Édouard Philippe.
Calçou as “sandálias da humildade” e fez um giro social. Ao invés de concentrar benefícios para empresas e pessoas com patrimônio, dá prioridade à classe média e trabalhadores.
Segundo o “Journal du Dimanche” disse aos seus assessores: “Quando há ódio, significa que há uma demanda por amor”.
Outra mudança é a sua reaproximação da classe política, de quem se afastara por considerar-se “gênio”, ao ganhar uma eleição sem previsão de sucesso. Cercou-se de tecnocratas e burocratas, civis e militares.
Após os protestos, ele parece convencer-se, de que somente a criatividade política é capaz de superar crises nas democracias. Isso não ocorre, por exemplo, na Rússia, onde o “czar vermelho” Vladimir Putin “segura o país” com métodos autoritários, desde 1999, cargo no qual continuará até 2024, graças a uma emenda à Constituição, criada por ele mesmo, que ampliou o período da Presidência de 4 para 6 anos.
Um tipo desse não pode ser exemplo para quem confie na Democracia.
Os adversários de Macron acusam-no de “fraqueza”, diante da rebeldia das massas. É bom lembrar que há cinquenta anos, o país viveu a revolta de “Maio de 1968”.
À época era presidente o general Charles De Gaulle, governo forte, sem oposição, militar e quase monárquico. Mesmo assim, não evitou o movimento de impulso, que abalou a V República e ele deixou o poder. Por que, agora, Macron seria fraco e omisso?
O movimento chamado de “coletes amarelos” (“gilets jaunes”, em francês), que hoje abala a França, tem origem remota nos levantes populistas ocorridos em Baltimore (USA) no período pós-morte do líder negro Martin Luther King; “Occupy” Wall Street (2011, USA); catalães e o Movimento dos “Indignados”, na Espanha; Liga Norte na Itália; o movimento flamengo, na Bélgica; na Turquia (2013), os jovens na defesa do Parque Gezi, protestando contra o ditador Erdogan. O mesmo já aconteceu no Reino Unido, Estados Unidos, Europa Central e no Brasil, com as revoltas de 2013 e a paralisação dos caminhoneiros, em maio passado.
Sociólogas americanas apontam como causa dessas revoltas globais, uma reação “dos jovens, que obedeceram às regras do jogo e não viram os frutos dos seus esforços“.
São insurreições que rejeitam partidos políticos, sindicatos e instituições governamentais.
Em verdade, o Ocidente revela mal estar com a globalização, que prioriza o “mercado”, em detrimento do individuo e transfere riquezas e poder, principalmente em proveito da Ásia e da China.
Nesse contexto inseguro, a maior preocupação serão as consequências de protestos semelhantes em nosso país. A última eleição de 2018 sinalizou insatisfação do eleitor e apontou para a crise de legitimidade da Democracia Representativa.
A “vacina” brasileira para enfrentar o futuro imprevisível será a reinvenção da nossa Democracia, como meio de conter as revoltas sociais. Cabe ao Congresso Nacional buscar um ponto de equilíbrio, separando as “discordâncias” e unindo as “concordâncias” sobre temas polêmicos.
A esquerda dá prioridade a ação estatal para reduzir a desigualdade. A direita entende que cada cidadão pode sair da pobreza, por sua ação pessoal.
John Stuart Mill, intransigente defensor do liberalismo, defende que o exercício da liberdade humana, somente é possível com uma distribuição justa de oportunidades, diminuindo-se a distância entre os mais ricos e os mais pobres da sociedade.
Lord Beveridge, o criador do Estado de bem-estar social britânico, analisava que a segurança das pessoas não depende delas próprias, mas também da garantia do Estado, espécie de seguro coletivo contra o infortúnio individual.
Nesse debate, a “reinvenção da democracia brasileira” começaria por afastar a preocupação de ser “esquerda”, ou “direita”. Afinal, as ideias e propostas não têm rótulos.
Para serem eficazes, elas dependem do conteúdo ético e da competência, de quem as defende. Só isto e nada mais!