A FRIO EM SEU PALACETE –

Tem doido para todos os gostos e classificações. Uma das classificações mais curiosas que conheço é a de “doido a quente” e “doido a frio”, como queria Fernando Pessoa. E é na categoria de “doido a frio”, que é “lúcido e louco”, na visão do poeta, que parece se encaixar o caso de um amigo. Conhecido de vocês (dos que militam no Direito, certamente), é uma das pessoas mais dotadas de bom-senso que já conheci. Mas, nos últimos tempos, está com uma ideia fixa: o prédio da antiga Faculdade de Direito, na Ribeira, nas imediações do Teatro Alberto Maranhão.
Ele só fala nisso. É o palacete pra lá e pra cá. “Porque o prédio da Faculdade…” Veio-me até com um papo de fantasma que, segundo soube nas suas rondas diárias e noturnas, assombraria o belo edifício. Nesse ponto, “ele está mais para doido a quente”, disse um amigo em comum que escutou sua conversa.
Mas o pior – pelo menos para mim – é que ele, toda vez que nos encontramos, para o meu quase desespero, tem apenas uma saudação, mesmo antes de um olá: “rapaz, escreva sobre o prédio da antiga Faculdade de Direito”.
Pela importância do tema e também porque quero nosso amigo só “lúcido” outra vez, confesso que tenho pensado nisso (mais pensado do que agido, reconheço). Mas quando eu decido escrever algo, vem a Tribuna do Norte e publica uma matéria sobre o tema. Outro dia, foi uma reportagem sobre “antigas, abandonadas e assombradas” casas e palacetes das nossas Ribeira e Cidade Alta. Recentemente, foi uma página inteira sobre o “palacete do nosso amigo”, registrando até a existência de uma ação civil pública (perante a Justiça Federal, dada a propriedade do imóvel pela UFRN), que exige a restauração do edifício por parte do Estado do Rio Grande do Norte (que, além de haver tombado o prédio, obteve a sua cessão). E eu tenho ficado sem um viés para adotar, pelo menos um diferente e curioso.
Não iria – e não vou aqui – ser repetitivo discorrendo sobre os aspectos históricos e arquitetônicos do edifício, inaugurado em 1908, para abrigar o Grupo Escolar Augusto Severo e que hospedou, entre outros, além da Faculdade de Direito, o nosso Ateneu e a Secretaria Estadual de Segurança. Por que falaria sobre o seu estilo eclético (diz-se uma mescla das tendências neoclássica, rococó e art nouveau), se existem outros muito mais habilitados do que eu para tanto? Poderia falar sobre sua beleza? Mas como definir o belo, sem cometer pecados filosóficos? Direi apenas “vá lá e sinta”. Para falar a verdade, no estado atual das coisas, com a depreciação do edifício, direi “vá lá e imagine sentir, seja lá o que for, com exceção, claro, de fantasmas, como no caso do nosso amigo”
.
Mas o fato é que hoje encontrei um mote simples – mas interessante, acredito – para abordar o tema. Ele veio de uma obra que lembrei ter em casa: “Law and the City”, editado por Andreas Philippopoulos-Mihalopoulos (Routledge-Cavendish, 2007). O livro nos oferece visões críticas e inesperadas das mais diversas cidades do mundo, por prismas os mais diversos também, mas sempre conectados com Direito. Assim, legalmente (com e sem repetição), passeamos por Berlim, Moscou, Istambul, Atenas, Cidade do México, Toronto, Londres e nossa Brasília, entre outras metrópoles.
Falando de Londres, daí foi um passo para eu recordar o apreço que a cultura dali tem por sua “Legal London”, o que implica também a produção de belíssimos livros – no que toca a textos e fotografias – sobre o assunto. Em minhas mãos tenho agora dois: “The Lawyers – The Inns of Court: The home of the Common Law”, por Timothy Tyndale Daniell (Wildy and Sons Ltd., 1976) e “Legal London: A Pictural History”, por Mark Herber (Phillimore, 2007).
Seguindo esses exemplos, será que já não chegou a hora de alguém escrever sobre a Natal Jurídica? Sobre seus edifícios, suas personagens, suas histórias e estórias.
Por enquanto, à falta de cabedal para essa obra de fôlego, em tom de lamento e também de cobrança, apenas rogo atenção e providências efetivas, por parte das autoridades (da UFRN e do Estado do Rio Grande do Norte, por intermédio da Fundação José Augusto), para o palacete da antiga Faculdade de Direito. Se não pela importância do edifício para Natal, pelo nosso amigo que, daqui a pouco, de “doido a frio” vai “a quente”, com seus fantasmas e suas estranhas rondas noturnas.

Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
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