Há quem ache que os cigarros eletrônicos são apenas vapor inofensivo, composto de água e sabor, mas eles estão longe disso. Esses dispositivos contêm centenas de substâncias, várias delas tóxicas. O que eles há neles, exatamente, ainda não é muito claro, mas pesquisadores encontraram, pela primeira vez, vapes com uma substância semelhante à anfetamina, uma droga sintética que potencializa o vício.
Os cigarros eletrônicos são proibidos no Brasil, mas entram ilegalmente, principalmente pelas fronteiras, movimentando um mercado milionário, segundo a polícia. Com procedências diversas, é um desafio para a pesquisa determinar o que, exatamente, eles contêm, já que muitas das substâncias nem constam nas embalagens.
Foi tentando entender melhor a que riscos as pessoas estavam expostas que a Universidade Federal de Santa Catarina e a Polícia Científica do estado se juntaram em uma pesquisa. Na análise, eles conseguiram identificar a octodrina, que é da mesma família da anfetamina e tem efeitos semelhantes. A droga estava presente em três marcas diferentes circulando no Brasil.
A substância entra para a lista ao lado de outras, como:
Glicerol, propilenoglicol, formaldeído, acetaldeído, acroleína, acetona e nicotina.
Elas são tóxicas, cancerígenas e a nicotina atua para viciar.
Segundo especialistas, os cigarros estão criando uma geração de viciados cada vez mais jovens. É o caso de João Pedro, influenciador com milhões de seguidores, que fuma vape desde os 15 anos.
A incerteza sobre as substâncias e suas quantidades na produção do mercado ilegal é, justamente, um dos argumentos da indústria, que tenta reverter a proibição. Apesar disso, a medida não é um consenso. Médicos e especialistas em saúde são contra.
Um dos desafios da pesquisa é obter, de forma legal, os cigarros eletrônicos. Para isso, é necessária a autorização de órgãos reguladores, o que é um processo burocrático e demorado. Isso porque, para uma pesquisa ter validade, não pode usar algo ilegal no país sem que isso seja monitorado.
Uma das possibilidades é conseguir os dispositivos em parceria com a polícia, que os apreende. Foi o que fez a Polícia Científica de Santa Catarina, que se uniu à Universidade Federal do estado e levou os vapes para o laboratório.
Os pesquisadores analisaram dez dispositivos de três marcas diferentes e encontraram octodrina, uma substância da família da anfetamina, com os mesmos efeitos, em todos eles.
Adriana faz parte do grupo de pesquisadores que enfrenta o desafio de saber o que há no vapor dos cigarros eletrônicos circulando no Brasil. Ela reforça que, além da burocracia para conseguir levar os dispositivos para o laboratório, existe uma segunda limitação, que é a falta de tecnologia.
➡️ Uma substância, quando queimada, pode se transformar em outra, que pode ser ainda mais tóxica. Ou seja, seria necessário saber o que há no líquido, mas também o que ele produz quando aquecido. Para isso, os pesquisadores precisam de um equipamento que consiga analisar o vapor do dispositivo, mas que não existe no Brasil.
“Vamos conseguir, mas para isso gastamos tempo encontrando maneiras de driblar para fazer a análise de uma forma que o resultado seja seguro. É importantíssimo ter essa resposta porque ela vai poder dar clareza, ajudar na saúde pública. Temos adolescentes usando isso; precisamos saber ao que estão expostos”, explica Adriana Gioda.
O que os médicos reforçam é que, apesar de não se saber exatamente o que há na fumaça, as evidências de que são prejudiciais já são visíveis: casos de internação, jovens viciados cada vez mais cedo em nicotina e doenças pulmonares.
A médica pneumologista e presidente da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), Margareth Dalcolmo, destaca que o vício é um risco para um país que é referência no combate ao tabagismo e que esses dispositivos estão criando uma nova geração de fumantes.
O influenciador João Pedro, 20 anos, conta que, quando começou a fumar, aos 14 anos, achava que o vapor era inofensivo, apenas um aroma. Com o tempo, percebeu um vício que descreve como descontrolado, além de problemas de saúde.
“Na época em que eu comecei, tinha muito conteúdo online que falava que era inofensivo, que era melhor do que cigarro, que não apresentava risco. Eu acabei entrando nisso inocente e, quando percebi o risco, estava viciado em um nível que parecia tarde demais para parar. Hoje, eu estou tentando e usando as minhas redes para mostrar para outras pessoas o risco que isso tem”, conta João Pedro.
João faz parte da campanha #semnicotina, que começou com Gustavo Foganoli, tiktoker, depois que a amiga precisou ser hospitalizada com um problema pulmonar por causa do cigarro. (Veja o relato acima)
No Brasil, a Evali, doença pulmonar causada pelos cigarros eletrônicos, não é de notificação compulsória. Ou seja, os médicos não são obrigados a notificar quando um paciente é tratado pela doença. Por isso, há subnotificação. Segundo a Anvisa, são nove casos até agora.
➡️ Do outro lado, o argumento da indústria é que a proibição permite que cigarros eletrônicos com qualquer tipo de substância e sem controle circulem no país. Esses pontos foram levantados na discussão do projeto de lei em andamento no Senado Federal, que pretende permitir o comércio desses dispositivos no território nacional.
A justificativa também foi apresentada à Anvisa durante a revisão da regra sobre o dispositivo, mas foi refutada por médicos e especialistas. Um dos exemplos citados é a crise com adolescentes em países onde os vapes são permitidos, como no Reino Unido e nos Estados Unidos.
Apesar de serem proibidos, é fácil encontrar cigarros eletrônicos sendo vendidos nas ruas. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), quase 17% dos estudantes de 13 a 17 anos já usaram o cigarro eletrônico.
A demanda exige um esforço de fiscalização que ainda não consegue dar conta do volume de cigarros eletrônicos que entra pelas fronteiras do país.
➡️ De acordo com a polícia, esse é um mercado milionário e vem ganhando espaço entre criminosos.
No início de julho, por exemplo, a polícia civil do Espírito Santo prendeu um dos maiores vendedores de cigarros eletrônicos no estado. Ele fornecia os produtos online, e as vendas de pouco mais de dois meses superavam a marca de R$ 500 mil. O homem ostentava uma vida de luxo, com carros importados.
Em abril, quando a Anvisa atualizou a regulamentação, mantendo os dispositivos proibidos no país, uma das frentes apontadas foi o reforço na fiscalização e no combate à importação ilegal. Uma das principais portas de entrada são as fronteiras, principalmente com a Bolívia.
Segundo a Receita Federal, eles têm agido em parceria com as polícias.
De janeiro a abril deste ano, dados mais atualizados do órgão, foram apreendidas 615 mil unidades que eram contrabandeadas, totalizando uma média de R$ 27 milhões.
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