FUNDAMENTAÇÃO X ARGUMENTAÇÃO –

​Sobre a fundamentação das decisões judiciais, a nossa Constituição Federal, no seu art. 93, inciso IX, expressamente dispõe que “todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade (…)”. E o nosso novo Código de Processo Civil, como não poderia deixar de ser, no seu art. 11, caput, repetindo a redação da CF, seguiu a mesma trilha.

​Na verdade, o NCPC foi até mais longe, pois, especialmente no seu art. 489, § 1º, prevê hipóteses em que a exigência constitucional e legal da fundamentação das decisões restará desatendida: “§ 1º Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I – se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II – empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III – invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV – não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V – se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI – deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento”.

​E se todas as decisões judiciais devem ser fundamentadas ou motivadas, assim o é primeiramente como elemento essencial do processo, mas também como condição de legitimidade da decisão propriamente dita e da atividade jurisdicional como um todo. Diante de uma decisão motivada e transparente, qualquer jurisdicionado e a sociedade como um todo – além das partes, dos seus advogados e dos demais atores envolvidos na lide específica – têm condições mínimas de aferir a imparcialidade do Poder Judiciário e se as decisões deste são pautadas pelo direito ou se são resultados de arbítrio dos julgadores.

​Isso porque – pelo menos era para ser assim –, o juiz fundamenta sua decisão sem interesse algum na causa, apenas imparcialmente elencando, nas palavras de Víctor Gabriel Rodríguez (em “Argumentação jurídica: técnicas de persuasão e lógica informal”, editora Martins Fontes, 2005), “elementos que devem convencer as partes de que seu raciocínio é o mais correto, é o decorrente da lei, e de que seu livre convencimento não provém da arbitrariedade, mas sim de uma boa avaliação de todas as provas e de todo o ordenamento legal”.

​E é aqui que devemos distinguir fundamentação propriamente dita de argumentação.
​Aquele que argumenta – como é sobretudo o caso do advogado, mas também às vezes do Ministério Público quando parte no processo – tem um lado e defende um ponto vista, que muitas vezes não é o correto ou o melhor segundo o direito, buscando acima de tudo obter a adesão de outrem, em regra um juiz ou tribunal, a esse ponto de vista. O argumentante frequentemente se afasta do melhor direito para obter a adesão do ouvinte ou leitor. O argumentante às vezes até se afasta do seu próprio convencimento para obter a adesão que deseja, pois esse é, essencialmente, o seu objetivo. Argumentar implica técnicas de retórica e persuasão. Argumentar, às vezes, implica paixão. Mas isso não é fundamentação em sentido estrito; com certeza não é essa a fundamentação exigida, dos juízes e tribunais em todas as suas decisões, pela Constituição Federal e pelas normas de processo e procedimento do nosso país.

​Na verdade, como explica o já citado Víctor Gabriel Rodríguez, “argumentar, em sentido estrito, é algo mais que a construção do bom raciocínio jurídico, para aqueles que operam o Direito. Argumentar significa partir do bom raciocínio jurídico e preocupar-se [muito mais] com o conteúdo linguístico necessário para que o leitor o aceite como verdadeiro (ou, ao menos, o aceite como o melhor dos raciocínios apresentados, no caso da dialética processual)”.
​Para o advogado, argumentar, muitas vezes com paixão, é essencial, não obstante o discurso excessivamente argumentativo acabe perdendo o seu valor, porquanto quem argumenta demais frequentemente não possui o direito. Assim, mesmo para o advogado, o ideal é dar ao discurso, sutilmente, uma roupagem de fundamentação, mais neutra, mesmo que, no fundo, aquilo seja mesmo uma argumentação.

De toda sorte, (re)afirmo: argumentar, definitivamente, não é o papel de um juiz. O juiz não deve ter paixões. ​

 

 

Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *