GALERIA DE EXCÊNTRICOS –
A vida deve ser vivida em todas as suas variedades. Esse pensamento do alagoano Calixtrato Barroso me fez refletir sobre alguns tipos que conheci ao longo de minha vida. Pessoas de comportamentos díspares, personalismos, individualistas e esquisitos. Pelópidas Lourenço, por exemplo, é um burocrata pragmático e fiel ao trabalho. Tem pavor a inércia, ao feriado, ao ponto facultativo. Pragueja contra os agentes públicos que enforcam as sextas-feiras. Feriar dia santificado, segundo ele, é encher as praias de parasitas do dinheiro oficial. “É uma irresponsabilidade digna de uma denúncia do Ministério Público ou de uma Comissão Parlamentar de Inquérito. Mas, o pior é que todos gostam dessa lambança, e aí não acontece nada”, comenta. Houve uma época em que ele estava atacadíssimo. Parava em frente a supermercado, farmácia, armazém, mercearia para aplaudir de pé o estabelecimento comercial aberto e proferir palavras de ordem contra o governo.
Outro personagem interessante é o mossoroense Porfírio Louzada, leitor assíduo de jornais, principalmente da crônica social. Gosta de fazer recortes após pontuar o número de vezes que socialites são citados ou fotografados. “As suas estatísticas”, conforme Flodoaldo Aires, seu amigo do antigo Café São Luís, “são alarmantes”. Acha que “o espaço estipendiado é mais para biografar a vaidade dos pífios inquilinos do que para noticiar fatos ou pessoas do interesse geral”.
Ubenildo Trajano, católico fervoroso, pregava contra aspectos das reformas do governo Lula. Rezava todos os dias para a queda dos juros bancários e a morte do agiota mais próximo. Aposentado pela rede ferroviária federal sabe que o trem da taxação vai passar por cima dele. Confessava-se decepcionado com os deputados e senadores com os quais votou. Na missa de domingo passado, afirmou na calçada da igreja antes de comungar que “o Congresso que se diz fera vai ser domado como sempre pelo Planalto. Deputado nunca resistiu ao gesto obsceno e aos afrodisíacos do governo. Não acreditem nos governos messiânicos”, ainda soprou dentro da sacristia.
Revolvendo uns papéis antigos, deparei-me com um bilhete de Eleutério Pacheco, de quando residia no bairro do Tirol. Fotógrafo amador passava o tempo retratando fatos da rotina cotidiana através de sua velha máquina Rolly Flex. Mudou-se para Macau e nunca mais o vi. Tem um considerável acervo fotográfico de homens e mulheres conduzindo seus cachorrinhos pelas ruas de Tirol e Petrópolis. Todos os seus instantâneos flagram o cidadão ou cidadã de pé, esperando o seu animalzinho concluir o seu matinal ato defecatório. “É pungente”, dizia no bilhete, “o ridículo dessa granfinagem”. Gostava de associar as imagens do homem ao cãozinho. Temporalmente achava que a “vida consumista é feita mesmo de fases e de fezes”.
O mais excêntrico e amargo membro dessa galeria é Benedito Fragoso Teles, vulgo Fedegoso pelo seu espírito ressentido e depressivo. Repete sempre o escritor Graham Greene: “A vida é um caso liquidado”. “O ser humano”, prega Fedegoso, “é sujo. Todos os seus órgãos são putrefatos: o intestino, o ânus, a boca, o escarro, os ouvidos, os olhos, o nariz, as genitálias, o chulé , a sovaqueira, tudo expele nogenteza, mau cheiro. Quando morre apodrece. Ou quando vivo, do ponto de vista caracterológico, a grande maioria é pérfida, solerte, ingrata, criminosa, falsa, pecadora, traidora, predadora, invejosa, etc., etc.”. Não convidem Fedegoso para um papo. É uma figura negativa. Ou não?
Valério Mesquita – Escritor,  [email protected]
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