GERONTOLESCENTES FELIZES E RESPONSÁVEIS –
Ontem cruzei com um amigo no estacionamento e observei que o mesmo caminhava sorrindo, enquanto lia um
pedaço de papel em sua mão.
– E aí amigo; notícia boa?
– Pois é, realmente muito boa. Continua ele – Estacionei o carro no local de idoso e esqueci de deixar o cartão de identificação. Quando chego encontro esse bilhete fixado ao para brisa; “Idiota. Não respeita o aviso de idoso. Veja se tem um pouco de vergonha”. As letras arredondadas e bem definidas, sugerem serem escritas por alguma mulher e provavelmente jovem. Certamente me viu ao estacionar e revoltou-se com minha ação. Para um coroa de 70 anos, escutar uma dessa, é de ficar o dia todo de bom humor e se achando. Não acha?
– Claro. Principalmente para nós Gerontolescentes.
– Gerontolescentes! O que é isso?
– Gerontolescente é o adolescente da terceira idade. Esse termo foi criado pelo médico Alexandre Kalache importante especialista mundial em envelhecimento que dirigiu por 14 anos o Programa Global de Envelhecimento e Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS), na Suíça e hoje preside o Centro Internacional de Longevidade Brasil, é membro do ILC Global Alliance, instituição que envolve 17 paises no controle e acompanhamento da longevidade
populacional.
– Quais seriam essas identificações.
– Numa entrevista a revista Trip em 2017 ele se referiu à pessoas entre 55 e 80 anos que tem a oportunidade de se redefinir, pois apesar da idade não se sentem muito frágeis como aqueles que vestem o pijama e se recolhem ao declínio da velhice. Essa é a nossa geração amigo que nos anos 60 participou de grandes mudanças em todo o mundo. Os movimentos estudantis e políticos no Brasil. O movimento estudantil em Maio de 68 na França, exigindo mudanças comportamentais e interferindo nas artes, na filosofia e nas relações afetivas. A Primavera de Praga, movimento político de mudanças também sociais. Os hippies com paz e amor contra a guerra no Vietnam e um muito marcante que nesse ano comemora seu cinquentenário, o Festival de Woodstock em agosto de 69, na cidade Bethel, estado de Nova York, nos Estados Unidos. Durante três dias, meio milhão de jovens se reuniram para curtir, sexo, drogas e Roch n’ Roll.
– Realmente a geração paz e amor, promoveu uma mudança em todo o mundo. E agora?
– Agora, estamos nós os Gerontolescentes 50 anos depois, tentando quebrar novamente os preconceitos e paradigmas da vida. Por sinal, o jornal Valor em uma edição da semana passada traz uma meteria como sobreviverão os Gerontolescentes do Brasil nos próximos anos. Especialistas afirmam que o nosso país não se preparou para assistir a esse grupo como fizeram outras nações mais desenvolvidas e de população longeva. Na mesma reportagem, dados do Ministério da Economia informa que atualmente são 5.301 aposentados com mais de 100 anos, 1.906 homens e 3.394 mulheres. Em 2010 acima de 90 anos eram 424.231 e em 2017 aumentou para 632.975. O professor Kalache define as condições para um bom envelhecimento de uma população, uma relação direta com saúde e nível educacional elevados. Ele questiona a redução no orçamento do governo para a saúde e educação como fator impotente na condição de vida dessas futuras gerações, determinando um despreparo intelectual e técnico não as capacitando a contribuir para a previdência.
– Realmente é preocupante.
– No entanto, não será apenas o fato atual, da contenção do orçamento. Vejamos o que ocorreu com a educação nesses últimos anos. A política de governo nos últimos 15 anos, se preocupou com o aumento dos indicadores no ensino fundamental não valorizando a qualidade, vendo apenas a quantidade. Dessa maneira, formou uma geração com baixa qualidade, tanto no ensino básico como no fundamental. Essa mesma geração entrou no curso universitário sem a mínima condição, incentivada pelo FIES (Fundo de Investimento ao Estudante do Ensino Superior), programa de governo sem uma estrutura de continuidade que facilitasse a introdução dos que conseguem concluir o curso, no mercado de trabalho. Atualmente o nível de inadimplência junto à caixa econômica já ultrapassa R$ 13. bilhões, um recorde para o programa que completa 20 anos. Segundo dados da ABMES (Associação Brasileira de Mantenedores de Ensino Superior), 59% dos contratos estão em atraso, 3 em cada 5 estudantes que usam o Fies estão inadimplentes, 79% têm renda de até 1,5 salário mínimo. O mesmo site da ABMES, traz um relato do carioca William Costa de 38 anos que descreve a situação dessa maioria de inadimplentes. Não concluiu o curso de História por ter que trabalhar em tempo integral para se manter, acumula uma dívida de R$ 10.000,00, há 10 anos e não consegue refinanciá-la por falta de fiador. – “Não recomendo para ninguém”. Diz ele, “meu nome está sujo e não consigo resolver nada”. Uma verdadeira geração de endividados e subempregados. Também se observou o aumento de faculdades sem estrutura, sem qualidade com precários programas pedagógicos. Muitas delas adquiridas por grupos internacional, as verdadeiras beneficiadas com o Fies e agora estão demitindo professores, piorando ainda mais a qualidade. Espero que o governo reveja o programa e auxilie esses milhares de inadimplentes a saírem do desespero de uma dívida que também não é só deles.
– É isso amigo. A bronca é grade. Esperemos uma responsabilidade compartilhada entre governo e população para que futuros Gerontolescentes possam sobreviver melhor que nós.
– Será que seria possível um programa que priorizasse a educação básica e fundamental, com sustentabilidade e continuidade, um projeto de estado e não simplesmente de governo, com envolvimento do congresso, atingindo uma geração de brasileiros em ciclos de 20 anos, com bases sólidas, podendo multiplicar essa experiência num futuro Brasil?
– Sei não amigo, seria uma grande mudança de valores que não encontro nos gestores de nossa política. Enquanto isso vamos continuar cobrando, fazendo a nossa parte numa escolha responsável e não conivente com o atraso de um povo.
– Apesar de tudo aproveitemos a vida procurando melhores caminhos.
Tenham todos uma boa semana.
Maciel Matias – Médico mastologista, maciel.omatias@gmail.com
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