A avaliação faz parte do relatório global que mede a percepção sobre a corrupção em 180 países. O Brasil ficou em 94ª lugar no ranking mundial, considerado um desempenho ruim pela organização.
Para a entidade, um dos fatores foi Bolsonaro ter utilizado o mandato, desde o primeiro dia de governo, para se blindar e blindar a família de investigações sobre denúncias de corrupção “fartamente comprovadas”.
O ex-presidente também garantiu proteção, avalia o relatório, ao usar o chamado “orçamento secreto” — emendas parlamentares cuja distribuição de recursos é definida pelo relator do Orçamento e não têm critérios claros ou transparência — para esvaziar o apoio à tramitação de processos de impeachment no Congresso Nacional.
A consequência, afirma a entidade, foi a “destruição” de mecanismos, aparatos e credibilidade de instituições de controle e fiscalização do país.
No ambiente de retrocesso no combate à corrupção, os anos Bolsonaro avançaram, segundo avaliação da entidade, para uma “degeneração sem precedentes” do regime democrático brasileiro, o que levou o país aos ataques golpistas nas sedes dos Poderes em Brasília, no início de janeiro.
“Os dois processos, de desmonte do arcabouço anticorrupção e da degradação da governança democrática, estão estreitamente relacionados”, indica o relatório Retrospectiva Brasil 2022.
Para a instituição, o retrocesso dos últimos quatro anos só foi possível graças a interferências do então presidente em instituições independentes e à omissão de agentes públicos nomeados por Bolsonaro.
A “peça central”, de acordo com a Transparência, foi a indicação de Augusto Aras para o cargo de procurador-geral da República, que “não apenas desarticulou o enfrentamento à macrocorrupção, mas foi também responsável por uma retração histórica nas funções de controle constitucional dos atos do governo”.
“Muito mais do que frear processos específicos, ele [Bolsonaro] neutralizou o sistema de freios e contrapesos da democracia brasileira, desmontando os três pilares que o sustentam: jurídico, político e social. Com isto, sua blindagem foi muito além da delinquência passada. Ele garantiu impunidade para cometer novos e muito mais graves crimes”, diz o documento.
- fragilização das instituições;
- ameaças ao sistema eleitoral;
- esquemas de corrupção revelados;
- ataques ao Supremo Tribunal Federal;
- desmonte das políticas de proteção ambiental.
Menciona ainda:
- recomendações aos Três Poderes;
- e pontos positivos e negativos no Legislativo e Judiciário.
Fragilização das instituições
Segundo o documento, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro teria interferido na atuação de outras instituições, como a Polícia Federal e a Petrobras.
A entidade cita, por exemplo, a troca de presidentes da Petrobras por insatisfação do governo anterior com o aumento do preço dos combustíveis.
Ameaça ao sistema eleitoral
A entidade avalia que o ex-presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores “levantaram dúvidas em relação à segurança das urnas eletrônicas, tentando reiteradamente minar um sistema que se provou confiável ao longo dos anos”.
Um dos casos citados pela Transparência Brasil é a apresentação feita por Bolsonaro para embaixadores de vários países na qual repetiu suspeitas já desmentidas por órgãos oficiais sobre a segurança das urnas eletrônicas.
O relatório lembra ainda que, após o segundo turno, o partido do então presidente Bolsonaro entrou no Tribunal Superior Eleitoral com pedido de verificação do resultado das eleições, sem apresentar provas de fraude.
Investigações contra corrupção
A Transparência lista episódios em que o então presidente e aliados foram citados em esquemas com indícios de corrupção. As apurações não caminharam, segundo a entidade, devido à interferências de Bolsonaro.
Para a organização, os casos desmontaram a narrativa criada por Bolsonaro de que não havia mais corrupção no governo.
O relatório também elenca como causas para o desempenho ruim do país no ranking mundial de corrupção:
- o arquivamento da denúncia que apura a participação do senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) em um esquema de “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Rio;
- a utilização de servidores da Receita Federal para ajudar na defesa de Flávio Bolsonaro na denúncia de participação do esquema de “rachadinhas”;
- o levantamento que aponta que ao menos 51 imóveis foram comprados pela família Bolsonaro com dinheiro vivo;
- o suposto esquema para liberação de verbas pelo Ministério da Educação, no qual foram citados o então presidente Jair Bolsonaro e o então ministro Milton Ribeiro, e os indícios de irregularidades na compra de kits de robótica com verbas do Ministério da Educação e do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação;
- a utilização da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf) para obras com verbas do chamado “orçamento secreto” e de uso eleitoral;
- e uma recomendação aprovada pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso para que o Tribunal de Contas da União (TCU) deixasse de suspender obras e serviços públicos sem antes consultar o Congresso.
Ataques contra o STF
A Transparência Internacional menciona o perdão da pena concedido por Bolsonaro ao deputado aliado Daniel Silveira (PTB-RJ), que tinha sido condenado a oito anos e nove meses de prisão pelo Supremo Tribunal Federal. “O ato do presidente foi interpretado como um gesto de confronto contra o tribunal”, diz.
“Desde que assumiu, suas investidas autoritárias se depararam com a resistência institucional do STF, o que o levou a atacar marcadamente a Corte e seus ministros que passaram, inclusive, a serem hostilizados nas ruas e nas redes por apoiadores do ex-presidente”, conclui a entidade.
Desmonte da proteção ambiental
A Transparência aponta ainda que o governo Jair Bolsonaro manteve a “desarticulação” de políticas, mecanismos e órgãos de proteção ambiental no país. A instituição menciona como consequências desse movimento o aumento no desmatamento em terras indígenas e de áreas de mineração ilegal.
O assassinato do indigenista Bruno Pereira e do jornalista britânico Dom Phillips também demonstrou, segundo a instituição, falhas na proteção de defensores ambientais.
Recomendações
No documento, a Transparência Internacional faz uma série de recomendações ao novo governo com o objetivo de retomar a agenda de transparência e integridade.
Estão entre as propostas:
- Devolver a autonomia a instituições como a Polícia Federal, Receita Federal e a Controladoria Geral da República (CGU);
- Respeitar a lista tríplice para a indicação do próximo procurador-geral da República;
- Não fazer uso de mecanismos como o “orçamento secreto”;
- Respeitar a Lei de Acesso à Informação, reavaliando sigilos indevidos impostos pela administração de Jair Bolsonaro;
- Remover do cargo funcionários de alto escalão do governo que estejam sob investigação ou processados por corrupção e delitos relacionados;
- Fortalecer estruturas de investigação de crimes ambientais.
Outros poderes
Em relação ao Congresso Nacional e ao Judiciário, a Transparência Internacional destacou o envolvimento desses Poderes com o chamado “orçamento secreto”.
Do lado do Legislativo, o “orçamento secreto” ganhou o selo de ponto negativo. Segundo a entidade, a prática ajudou a fortalecer Bolsonaro junto a parlamentares sem posição ideológica clara – o chamado “Centrão” – e prejudicou o financiamento de políticas públicas e favoreceu esquemas de corrupção. Outro ponto elencado como negativo foi a aprovação de mudanças na Lei das Estatais.
No Judiciário, o julgamento que derrubou o “orçamento secreto” ganhou destaque positivo. Em dezembro, o STF considerou inconstitucional a prática.
Por outro lado, o Poder Judiciário contribuiu, segundo avalia a Transparência, para o cenário de desmonte de combate à corrupção ao derrubar e arquivar investigações. A entidade critica ainda o ativismo judicial de ministros do STF ao combater ataques antidemocráticos com violações a garantias constitucionais de “maneira continuada”.