A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) vai inspecionar, entre os dias 13 e 15 de setembro, a única fábrica no país autorizada a produzir a vacina BCG, contra tuberculose. A fábrica, localizada na zona norte do Rio, está interditada há dez meses para se adequar às normas sanitárias.
Enquanto isso, o governo já repassou quase R$ 30 milhões para a construção de uma nova fábrica, na Baixada Fluminense, que garantiria a autossuficiência do Brasil na produção da vacina contra a tuberculose. Só que a obra já dura mais de 30 anos, sem que nenhuma dose do imunizante tenha saído de lá.
As duas fábricas pertencem à Fundação Ataulpho de Paiva, entidade privada sem fins lucrativos, que há mais de cem anos é a responsável pela produção nacional da BCG.
A própria fundação interditou a fábrica de São Cristóvão em novembro do ano passado, quando uma vistoria da Anvisa identificou o descumprimento das boas práticas de produção.
Esta é a terceira vez que a planta foi interditada. Na primeira, em 2016, um laudo da Anvisa apontou que a unidade “apresenta risco à saúde da população brasileira e urge a necessidade de finalização das obras da nova fábrica da fundação localizada em Xerém, Duque de Caxias-RJ”.
Com a interrupção da produção nacional, o Ministério da Saúde passou a importar os imunizantes, e diminuiu a quantidade de doses enviadas aos estados e municípios.
Num ofício encaminhado às Secretarias estaduais de Saúde em abril deste ano, o ministério informou que passaria a distribuir 500 mil doses por mês. No ano passado, a média mensal era mais que o dobro: 1,2 milhão de doses. No documento, o ministério destacou “a necessidade de os estados otimizarem e racionarem a vacina” por pelo menos sete meses.
O projeto de construção da nova fábrica da Fundação Ataulpho de Paiva abrange uma área de quase 10 mil metros quadrados no Distrito Industrial de Xerém, em Duque de Caxias. De acordo com o site da fundação, a unidade produziria 60 milhões de doses por ano da vacina BCG e do medicamento Imuno BCG, que combate o câncer na bexiga.
A nova planta, que está em construção desde 1989, já recebeu pelo menos R$ 28 milhões do poder público, mas ainda não iniciou a produção do imunizante e nem do medicamento.
A maior parte do investimento veio do Ministério da Saúde, que desde 2012 já pagou R$ 22 milhões à fundação em convênios para a compra de equipamentos para a nova unidade. A justificativa para estes convênios foi garantir a autossuficiência nacional da BCG. O valor foi informado pelo próprio ministério, via Lei de Acesso de Informação. A pasta, no entanto, não informou sobre eventuais repasses à fundação antes de 2012.
Outros R$ 6 milhões vieram do BNDES, num convênio assinado em 2013, com o objetivo de concluir a planta industrial para a produção da vacina contra a tuberculose.
O Ministério Público do Rio tem uma investigação em andamento para apurar possíveis irregularidades de gestão da Fundação Ataulpho de Paiva e supostas condutas ilegais praticadas pelos membros da diretoria. Mas não deu mais detalhes sobre o inquérito.
Desde a redução na quantidade de doses distribuídas pelo Ministério da Saúde, algumas cidades tiveram que suspender ou agendar a aplicação da BCG. No início de agosto, as maternidades públicas de Teresina, no Piauí, ficaram sem doses do imunizante.
Em julho, Cuiabá, no Mato Grosso, suspendeu a vacinação por 20 dias, também por falta de doses.
Também em julho, Sorocaba, no interior paulista, passou a aplicar as vacinas somente com agendamento prévio, numa forma de racionar as doses.
Enquanto isso, a cobertura vacinal da BCG, que já vem caindo desde 2019, este ano está em 62% do público-alvo, que são as crianças de até 1 ano. O ideal, segundo os especialistas, é vacinar 95% do público-alvo.
Em nota, a Fundação Ataulpho de Paiva (FAP) disse que comprou, com recursos próprios, o terreno em Duque de Caxias para a nova fábrica. E que, diante da magnitude da obra, firmou convênios com o Ministério da Saúde para viabilizar a construção da nova unidade.
A nota diz que o projeto original já estaria concluído desde 1996, mas por questões alheias à Fundação, precisou ser radicalmente alterado, inclusive com a necessidade de demolições de áreas já construídas, o que prolongaram o encerramento da obra”.
De acordo com a Ataulpho de Paiva, “o conceito de Boas Práticas de Fabricação foi alterado no curso da construção, diversas vezes, assim como a Anvisa modificou suas normas regulatórias, e a FAP precisou se readequar, a fim de obter a certificação necessária para o funcionamento da fábrica”.
A fundação afirmou que, em 2016, a parte da fábrica destinada às áreas de armazenamento, embalagem e venda de produtos, com aproximadamente 2.063 m², foi concluída. E, em maio daquele ano, a Anvisa emitiu as licenças e liberou as atividades nesta área. Essa parte da fábrica, diz a nota, encontra-se em atividade desde janeiro de 2017. São necessários mais 3 anos para concluir a área de produção, ressalta a entidade.
Segundo a nota, a FAP já investiu mais de 15 milhões de dólares de seus recursos próprios, “o que demonstra a complexidade da obra, e o esforço que esta vem fazendo para concluir esse importantíssimo projeto”.
Sobre a investigação do MP, a FAP diz que “a denúncia feita ventilou ilegalidade inexistente, deixando de se atentar para todas as peculiaridades do caso, e dos fatos manifestamente alheios à FAP, que atua há mais de um século, sem qualquer fim lucrativo, em prol da saúde no Brasil, e que com muito custo vem lutando para concluir o projeto, extremamente benéfico para a imunização nacional, de conclusão de sua fábrica de Xerém, sendo certo que todos os recursos obtidos foram devidamente aplicados no projeto”.
Quanto à fábrica de São Cristóvão, a fundação explicou que as atividades foram interrompidas para realizar alguns ajustes necessários para melhoria na produção. E que está aguardando a inspeção da Anvisa, que está agendada para os dias 13 a 15 deste mês.
O Ministério da Saúde e a Anvisa foram procurados pela reportagem, mas ainda não se manifestaram.
Fonte: Agência Brasil
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