O governo publicou no “Diário Oficial da União” desta terça-feira (27) portaria que regulamenta o empréstimo consignado para os beneficiários do Auxílio Brasil.
No empréstimo consignado, o desconto é direto na fonte. Em razão de as parcelas serem descontadas diretamente da folha de pagamentos, os bancos têm a garantia de que as prestações serão pagas em dia.
A medida é criticada por especialistas, que apontam para o risco de endividamento ainda maior da população mais vulnerável (leia mais abaixo).
De acordo com a regulamentação, o valor máximo que poderá ser contratado será aquele em que as parcelas comprometam até 40% do valor mensal do benefício. Mas em vez de ser considerado o valor mínimo atual do benefício de R$ 600, que só vale até dezembro, valerá o de R$ 400. Assim, o valor da parcela será de no máximo R$ 160.
A portaria publicada estabelece ainda que o número máximo de parcelas será de 24 e a taxa de juros não poderá ser superior a 3,5% ao mês.
O governo, por meio da Secretaria Nacional de Renda de Cidadania (Senarc), será responsável por descontar dos benefícios as parcelas do empréstimo mensalmente. Assim, o beneficiário vai receber apenas o valor restante.
É obrigatório informar a taxa de juros aplicada e o custo efetivo do empréstimo no momento da contratação.
É proibida a cobrança da Taxa de Abertura de Crédito (TAC) e de outras taxas administrativas e também o estabelecimento de prazo de carência para o início do pagamento das parcelas.
A título de comparação com outras modalidades de crédito, dados do Banco Central mostram que as taxas médias mensais de juros relativas ao mês de junho eram as seguintes:
- Consignado para trabalhadores do setor público: 1,70%
- Consignado pessoal total: 1,85%
- Consignado para aposentados e pensionistas do INSS: 1,97%
- Consignado para trabalhadores do setor privado: 2,61%
- Taxa média mensal de juros para pessoas físicas: 3,52%
- Cheque especial: 7,16%
- Cartão de crédito rotativo: 13,77%
De acordo com as regras, se o benefício for cancelado, o empréstimo não será cancelado. Ou seja, mesmo se deixar de receber o Auxílio Brasil, o beneficiário precisa se organizar para pagar todos os meses o empréstimo até o final do prazo do contrato, depositando na sua conta o valor da parcela.
Outras regras da portaria
Entre as outras regras da portaria estão:
- instituições financeiras habilitadas estão proibidas de fazer marketing ativo, oferta comercial, proposta, publicidade direcionada a beneficiário específico ou qualquer tipo de atividade para convencer o beneficiário a fazer contratos de empréstimo consignado;
- a instituição financeira deve ter autorização do Banco Central para a concessão do consignado, encaminhar ao Ministério da Cidadania pedido para fazer as operações, ter habilitação para operações de consignados em benefícios pagos pela Previdência Social – neste último caso, poderá haver acordo de cooperação técnica entre a instituição financeira e o ministério se não houver essa habilitação;
- o beneficiário tomador do empréstimo deverá autorizar expressamente a instituição financeira a ter acesso às informações pessoais e bancárias necessárias à efetivação do contrato – não será aceita autorização dada por telefone nem por meio de gravação de voz;
- a responsabilidade pelo pagamento será somente do beneficiário em relação à instituição financeira. Em nenhuma hipótese, o governo poderá ser responsabilizado pela obrigação;
- o crédito contratado deverá ser realizado exclusivamente na conta bancária na qual é realizado o pagamento do Auxílio Brasil – caso o crédito do benefício não seja realizado em conta bancária, o tomador deverá regularizar seus dados cadastrais do Cadastro Único para que seja possível a abertura da conta bancária;
- confirmado o contrato, a instituição financeira deverá liberar o valor contratado no prazo máximo de dois dias úteis a partir da confirmação;
- em até cinco dias úteis, a instituição financeira deverá disponibilizar ao beneficiário que solicitar a quitação antecipada do seu contrato o boleto para pagamento, débito em conta ou transferência bancária, discriminando o valor total antecipado, o valor do desconto e o valor líquido a pagar, além da planilha demonstrativa do cálculo do saldo devedor;
- o Ministério da Cidadania deve disponibilizar as informações sobre empréstimos consignados em seu site, bem como a relação das instituições financeiras credenciadas para operá-los, com indicação do número de parcelas para pagamento e respectivas taxas de juros praticadas;
- em caso de alteração do responsável pelo grupo familiar recebedor do benefício, a autorização do empréstimo permanece válida enquanto o tomador do empréstimo ainda for integrante do grupo familiar ou quando ele deixar de morar com a família, mas permanecer como componente dela;
- se houver modificação no valor do benefício ou da margem consignável, as novas condições do empréstimo deverão ser pactuadas entre a instituição financeira e o beneficiário, sem novos custos operacionais;
- a cobrança do valor de parcela não descontada ou o saldo residual de parcela descontada parcialmente é de inteira responsabilidade da instituição financeira com o tomador do empréstimo.
Questionário
A portaria traz ainda um modelo de questionário que deverá ser apresentado pela instituição financeira ao beneficiário no momento da contratação do empréstimo.
Entre as perguntas que o beneficiário terá de responder estão se ficou claro o valor do empréstimo, a taxa de juros mensal, o valor total que irá pagar no final do contrato e o prazo do empréstimo, além valor da parcela e até quando irá pagá-la. E se ele já fez as contas para ver se conseguirá honrar esse compromisso junto com os outros gastos do dia a dia.
No questionário, há ainda um trecho que diz: “O empréstimo consignado do Auxílio Brasil é uma opção que deve ser utilizada apenas nos casos em que você realmente tem um problema que não pode resolver sem fazer esta contratação. Verifique se alguém da sua família ou da sua comunidade pode te oferecer outra solução, onde você não precise pagar juros”.
No momento da celebração do empréstimo, a instituição financeira deverá informar ao beneficiário:
- o valor total com e sem juros;
- a taxa efetiva mensal e anual de juros;
- todos os acréscimos remuneratórios, moratórios e tributários que eventualmente incidam sobre o valor do crédito contratado;
- o valor, número e periodicidade das prestações – o valor da parcela deverá ser inteiro, não sendo admitida a informação de centavos no momento da contratação;
- a soma total a pagar com o empréstimo pessoal;
- a data do início e fim do desconto;
- o valor da comissão paga aos terceirizados contratados pelas instituições financeiras para a operacionalização da venda do crédito, quando não for efetuado por sua própria rede;
- o CNPJ da agência bancária que realizou a contratação quando realizado na própria rede, ou o CNPJ do correspondente bancário e o CPF do agente subcontratado pelo anterior, acrescido de endereço e telefone;
- o valor líquido do benefício restante após a eventual contratação do empréstimo.
Valores indevidos
Nas situações em que for constatado desconto indevido de parcelas em decorrência de contratação indevida, divergência no valor contratado ou em que o desconto ocorra em valor superior ao limite estabelecido, caberá à instituição financeira a responsabilidade pela devolução do valor consignado indevidamente.
A devolução do valor deverá ser realizada no prazo máximo de dois dias úteis da constatação da irregularidade, corrigido com base na variação da taxa Selic, desde a data de vencimento da parcela referente ao desconto indevido em folha até o dia útil anterior ao da efetiva devolução, diretamente na conta de pagamento do Auxílio Brasil.
Quando identificado indício de irregularidade no processo de contratação ou desconto do empréstimo consignado do Auxílio Brasil, a Senarc deverá instaurar procedimento de apuração de irregularidade para regularização da situação ou cancelamento do contrato do empréstimo.
Os indícios poderão ser identificados por meio de cruzamentos de informações realizados preventivamente pela Senarc, pelos órgãos de controle ou pela apresentação de reclamação pelo tomador do crédito.
Nos casos em que o desconto de parcelas de empréstimo consignado tenha ocorrido em benefícios que venham a ser considerados irregulares, os valores repassados às instituições financeiras deverão ser ressarcidos diretamente ao Ministério da Cidadania, na competência seguinte à decisão definitiva de apuração da irregularidade.
Cuidados
A portaria traz ainda os cuidados que os beneficiários deverão ter. Entre as recomendações estão:
- Venda casada é proibida: o banco não pode obrigar a contratar qualquer serviço, como seguros ou títulos de capitalização, para liberar o empréstimo consignado. Se isso acontecer, a recomendação é fazer a denúncia no site consumidor.gov.br e não assinar o contrato. A venda casada é expressamente proibida pelo Código de Defesa do Consumidor e considerado crime contra as relações de consumo.
- Atraso nas prestações: caso haja atraso no pagamento das prestações, os valores serão acrescidos de multa e juros conforme consta no contrato.
- Escolha do banco: a instituição financeira na qual está sendo contratado o empréstimo consignado é escolhida diretamente pelo beneficiário. Verifique se todas as informações prestadas pelo banco estão claras.
- Desconto incorreto: caso o desconto do empréstimo seja feito de forma diferente daquela que foi contratada, procure o banco. Em casos assim, é possível registrar ainda reclamação no site consumidor.gov.br ou procurar o Procon e a Defensoria Pública da União ou dos estados.
Críticas
A oferta de crédito consignado por meio do Auxílio Brasil tem sido criticada por especialistas e entidades. Eles alegam que a medida pode ser danosa à população, porque os recursos do programa de transferência de renda costumam ser utilizados para gastos básicos de sobrevivência.
Com o empréstimo, no entanto, o cidadão pode ter até 40% do benefício descontado antes do pagamento. Bancos privados já teriam manifestado ausência de interesse em operar a linha de crédito.
Entre os bancos mais prováveis a oferecer o empréstimo consignado está a Caixa Econômica Federal, que opera os programas sociais do governo, além do Banco do Brasil.
Fazer um empréstimo consignado ligado ao Auxílio Brasil pode valer a pena para quem tem alguma necessidade urgente e inadiável – mas não para pagar as contas do dia a dia, ou para fazer compras desnecessárias.
Isso porque o crédito pode comprometer a renda disponível do beneficiário por um longo prazo. Assim, pode faltar dinheiro por vários meses para fazer gastos essenciais, como alimentação.