Valério Mesquita
Retorno ao tema da restauração dos Guarapes por haver sito manchete de primeira capa da Tribuna do Norte, semana passada. Do monumento dos Guarapes, em Macaíba, ouviu-se novo gemido.
A visão de quem passa pelo empório testemunha um tipo inexprimível de mistério, grandeza e história, que não se manifesta apenas na visibilidade dos olhos. Espelho e sombra nos envolvem totalmente. Reflete a casa perdida da infância de qualquer um de nós, mesmo que distem quase duzentos anos de nascença. As cores da vida vêm de dentro. Ao derredor da construção principal, aflora o lirismo vegetal e memórias mil de luares. Diante dos Guarapes paraliso o corpo e silencio a boca ante a emoção e a paz emblemática onde nascem, depois, todas as palavras. Templário erguido ao comércio, ao labor, à vida, à riqueza, ao capital, nele somente restando, hoje, a raiz e o cupim, sem jardim, sem teto, gasto em sombras, sem rumor, apenas um eco antigo e longínquo da voz imaginária do grande capataz dos mistérios circundantes: Fabrício Gomes Pedroza.
“Feliz do homem que conhece a terra onde será enterrado”, disse o saudoso Dom Nivaldo Monte, já perto de sua partida e despedida. Ele não tinha nas mãos o acento da desesperança. Reescrevo novo texto sobre os Guarapes movido pela aflição de um vento novo, ressurgente, após a longa noite da burla, do engodo e do humano ressentimento. Segundo os pesquisadores, os técnicos, as prospecções ao redor da área indicam um dominó de ocorrências ainda desconhecidas. Estão invisíveis, dissipadas e espalhadas no ar fino das brumas do rio Jundiaí soprando na paisagem do nunca-mais. Queremos vê-la restituída, reerguida, alongada até o antigo cais e a capela, até desfazer todas as incertezas. Tudo, para sentirmos o peso da criação do homem que investiu e inovou a economia de Macaíba e do Rio Grande do Norte.
O esforço recriado de restaurar os Guarapes, congregam-se o Conselho de Cultura, o Instituto Histórico e Geográfico e a Academia de Letras, verdadeira confraria habituada às longas viagens repetidas. Para essa plêiade não interessam equívocos e murmúrios. Basta que a lembrança retorne submissa ao velho empório que repousa em clarões e longos esquecimentos. Sobre a história do monumento já falei em textos anteriores.
A constelação de todos que se mostram envolvidos na obra constitui o fulgor da partida, do início de uma peleja. Naquela colina se ouvirão, logo mais, vozes diárias entre arcos voltaicos de sua beleza e significado para a história do Rio Grande do Norte. Desde o tempo dos holandeses, do temível Jacob Rabbi, disse-me o geólogo Edgar Ramalho Dantas que os Guarapes e Jundiaí, juntos, desafiam os estudiosos pelo circuito de circunstâncias no chão sagrado dos antepassados, a suscitarem descobertas, grutas, ecos irresignados, águas novas e subterrâneas. Atravessando o rio, vê-se de frente o memorial de Uruaçu, santuário dos mártires e bem perto dali as ruínas de Extremoz. Para trás, o Solar do Ferreiro Torto, já restaurado. Chega-se à conclusão de que o entorno de Natal, naquele tempo, foi o maior teatro de operações da produção de alimentos, comércio, moldura de dissídios e lobisomens, que somente os Guarapes renascido pode restituir pelo olho e pelo tino do estudo e da pesquisa, já em campo. Ao novo governo de bons propósitos avisamos que a mesa da boa vontade já está servida.
Valério Mesquita – Escritor e Presidente do IHGRN – [email protected]