HERÓIS DE BRINCADEIRA –
Na infância, também brincávamos de “caubóis”. Todos lembram desses heróis americanos originados e popularizados pelo cinema – programa semanal – e pelos gibis, leitura quase obrigatória da garotada. Imitávamos seus gestos, simulávamos suas roupas, suas armas, seus cavalos e, montados em cabos de vassoura, saíamos nas nossas folgas dando tiros e enfrentando bandidos e demais vilões que tínhamos aprendido a odiar nos filmes e nos quadrinhos.
A grafia para cowboys era brasileira. Sem o nível e a quantidade das informações de hoje, nomes próprios e expressões em inglês sofriam corrutelas históricas, algumas até hoje indeléveis, preservadas na memória. Então, se cowboy era caubói, o herói Rocky Lane tinha que ser “Roquelane”, Bill Elliot era “Biu Eliote”, Johnny Mack Brown era “Joni Maquibron”, e, vejam só, o querido Roy Rogers era tratado até por “Rói Rói”. Lembro que um amigo se referia ao Cisco Kid, como “Chico Kide”.
Chamadas por críticos modernos de Faroeste B, as produções e os filmes “de faroeste” fizeram a delícia dos meninos nos anos 1950. A maioria vinha acompanhada de episódios dos seriados, as famosas “séries”, que completavam um programa perfeito para o domingo de qualquer garoto suburbano. O anúncio de uma nova aventura de Rex Allen, Tim Holt, Gene Autry, Cavaleiro Negro, deixava em polvorosa a turma que nunca perdia uma sessão nos nossos amados e lembrados cinemas. São Luiz e São Pedro, no Alecrim; Rio Grande e Rex, na Cidade Alta, e o querido São Sebastião, preferido dos moradores das Quintas.
A indústria do cinema norte americano produziu e nos legou maravilhosos trabalhos de talentosos diretores. Obras que fugiam do título ingênuo e simplista de filmes de cowboy, passaram para a história do gênero com a charmosa classificação de “Western”, com pronúncia fiel ao inglês, adotada por críticos e devotados cinéfilos.
Esses heróis americanos desfilam desde as primeiras experiências cinematográficas, quando as aventuras reais da conquista do oeste eram levadas às telas como registros e até como exaltação aos pioneiros que avançavam terra adentro, estabelecendo-se como colonos ou novos donos dos territórios antes habitados pelas tribos indígenas. Ou da sôfrega corrida em busca do ouro, aventura mostrada no filme Califórnia, Terra Prometida. A epopeia dos desbravadores em seus carroções cobertos, como no filme Os Bandeirantes. As primeiras locomotivas, a instalação do telégrafo – substituto do correio a cavalo – as primeiras cidades, tudo registrado por cineastas cujos nomes figuram na história do cinema americano.
Induzidos pelas produções, aprendemos a reverenciar e respeitar figuras pioneiras como Buffalo Bill, na verdade um determinado exterminador de bisões, também alcunhado “matador de índios”. Ou um arrogante General Custer, protagonista de inúmeros episódios desonrosos e imprudências como as que causaram o massacre do seu regimento no desfiladeiro Little Big Horn. Os filmes e os quadrinhos também no ensinaram a idolatrar o herói Kit Karson, que, a serviço do governo, era um assassino truculento, superado apenas pelo General Sheridan, para quem “o único índio bom é o índio morto”, permitindo-se trucidar velhos, mulheres e crianças nativos. Nessas escaramuças, figurava William Frederick Cody, o já citado Buffalo Bill.
A nossa pureza, entretanto, nos impedia de ver ou saber dessas coisas. Os protagonistas da nossa atenção eram personagens e atores habitantes de um universo mágico e especial, que dotados de bravura e amor à justiça, sempre mereceram o nosso respeito. E em nome do carinho e da nostalgia, ainda hoje podemos nos ver no papel de um Gregory Peck, John Wayne, ou Gary Cooper, montados em cavalos de pau e cabeças de lata, apontando nossos precários revólveres de madeira para “render” imaginários inimigos, como heróis de brincadeira.
Alberto da Hora – escritor, cordelista, músico, cantor e regente de corais
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