HERÓIS EM FAMÍLIA – Alberto da Hora

HERÓIS EM FAMÍLIA –

Aos leitores, peço vênia para falar de alguns heróis pessoais. Eles são reais, fazem parte da minha vida, povoam minhas lembranças e, vez por outra, me vêm à memória porque careço das suas histórias para ajudar a suportar o presente.

Igual a muita gente em Extremoz, o meu tio-primo Antônio Canjiquinha viveu da colheita, venda e industrialização do coco – se é que se pode chamar de indústria a fabricação de grude, tapioca, beiju e bolo preto.  Também era procurado por sua habilidade em subir nos altos e baixos coqueiros da vila. Competente e rápido, com apenas um pedaço de corda, escalava qualquer um, na tarefa de coletar os frutos.

Canjiquinha viveu simplório, semianalfabeto, com muitos filhos, alegre, bem humorado, músico de Pastoril. Nada possuiu, além de uma casinha de teto baixo, na entrada da rua principal. Com o tempo, juntou os filhos já crescidos, e veio morar em Natal. Instalou-se no bairro das Rocas, imaginando conforto e descanso. Um dia, comprou cartela de bingo e foi premiado; ganhou um carro bem acima das suas posses e desejos. Vendeu o veículo, mas não desfrutou do resultado. Morreu pouco tempo depois e até hoje por ele choram parentes e amigos. Chora também o resto dos coqueiros da velha Extremoz.

Tia Maria José era apenas Zé. Solteirona, companhia inseparável de Tatá, outra tia-avó, que era mais velha e tinha gerado filhos. Completavam-se. Muito respeitadas e procuradas para conselhos e rezas de curas. Contam que em tarde de vaca braba solta na rua, tia Zé deu prova de bravura, fazendo o que, na hora, os homens não tiveram coragem de fazer. Correu atrás do bicho, saltou-lhe nos chifres e só largou quando a vaca se aquietou, pondo fim à algazarra no largo da estação do trem.

Lembrança carinhosa é o meu tio João. Era zeloso pela família e nunca nos negou uma orientação, um conselho, uma palavra de estimulo ou advertência. Membro de uma estirpe de homens de fala mansa, gestos cordiais, honestos, generosos e sensatos, que não fumavam nem bebiam álcool. Como barbeiro e pedreiro, era um profissional bastante respeitado. Político na cidade, foi vereador, presidente da Câmara Municipal e vice prefeito. Orgulho para a família, João Florêncio da Hora ora hoje é nome da escola estadual.

Meu irmão Humberto foi parceiro e companhia em quase todas as nossas atividades. Frequentamos a mesma classe do curso primário, íamos juntos comprar revistas, ao cinema, aos auditórios de rádio, a qualquer passeio, às férias em Extremoz, ao Catecismo, missas, procissões, enfim, a tudo que fosse obrigação ou divertimento.

O futuro nos legaria um homem bondoso, de uma pureza social quase ingênua. Humberto, porém, era forte e destemido do seu jeito. Decidido, resolveu aprender a tocar violão e passou o resto da sua vida dedicado a dedilhar e a cantar com o instrumento. Tinha preferência pelas serestas, sambas e, em especial, pelo repertório romântico de Roberto Carlos, e executava várias músicas como solista.

Também amava as artes marciais, obtendo faixas de graduação em judô e caratê. Fisiculturista desde a juventude, fez curso de halterofilismo por correspondência, utilizando um método revolucionário do famoso Joe Weider. Confeccionava os seus halteres usando embalagens de latas, canos de ferro e massa de cimento. Da mulher que seria sua fiel e devotada esposa foi namorado e noivo por 11 anos. Mesmo com dificuldades econômicas, conseguiu criar os quatro filhos com disciplina e senso de responsabilidade. Adoeceu gravemente e deixou a vida aos poucos 46 anos e um futuro ainda por conquistar. Todos, familiares e amigos, dele ainda temos saudades.

 Podem, sim, ser chamados de heróis.

 

 

 

 

 

 

 

Alberto da Hora – escritor, cordelista, músico, cantor e regente de corais

As opiniões contidas nos artigos/crônicas são de responsabilidade dos colaboradores
Ponto de Vista

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  • Lembro de uma determinada cena do filme "Interestelar", do diretor Christopher Nolan, na qual os personagens perguntavam qual seria a utilidade social de se amar pessoas que já morreram. Apesar de todo o rigor científico daquela obra, a conclusão sobre essa questão não é fundamentada em cálculos matemáticos nem teorias físicas consagradas: o protagonista entende que o esse amor é como uma ponte que nos liga ao passado, e que os laços gerados por essa conexão são tão fortes que são capazes de nos guiar em nossa própria história. Para mim, é disso que se trata esse artigo. Muito bom.

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