O ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF) Silvinei Vasques presta depoimento na CPI do 8 de janeiro

Na mira da CPI do 8 de Janeiro, o ex-chefe da Polícia Rodoviária Federal Silvinei Vasques tinha no celular apreendido pela PF fotos dos ditadores Adolf Hitler e Benito Mussolini, registros ao lado do clã Bolsonaro, imagens que mostram seu culto pelas armas – e até mesmo áudios com xingamentos e cobranças sobre os bloqueios em rodovias federais promovidos pela PRF no dia do segundo turno das últimas eleições.

De acordo com fontes da CPI, o material extraído do celular contém indicações de ter sido recebido de terceiros por Silvinei. Não há nos documentos obtidos pela coluna, por exemplo, mensagens enviadas por ele, o que levou a CPI a deduzir que o ex-chefe da PRF tinha o costume de apagar os próprios arquivos, já temeroso de que poderia ser alvo de quebra de sigilo, como acabou sendo.

Ainda assim, o conteúdo do celular foi enviado à CPI, que se reunirá na terça-feira (17) para a leitura do relatório de cerca de 900 páginas da senadora Eliziane Gama (PSD-MA). O ex-presidente Jair Bolsonaro deve ser indiciado por pelo menos quatro crimes, conforme antecipou a coluna.

Em agosto, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), decretou a prisão preventiva de Silvinei a pedido da PF, que alegou haver o risco de ele comprometer o aprofundamento de investigações e interferir em depoimentos sobre o uso da corporação contra eleitores de Lula. O ex-chefe da PRF continua preso.

A quebra dos sigilos fiscal, bancário, telefônico e telemático do ex-chefe da PRF pela CPI foi suspensa pelo ministro Kassio Nunes Marques, do STF, o que na prática impede que as informações sejam utilizadas no relatório final da comissão.

A decisão atendeu a um pedido do próprio Silvinei, homem de confiança de Bolsonaro que comandou a PRF de abril de 2021 até dezembro do ano passado.

Mesmo assim, a equipe da coluna teve acesso ao que havia no equipamento, que mostra um conjunto eclético.

Entre as dezenas de imagens guardadas no celular de Silvinei estão uma fotografia de Adolf Hitler com o então ministro da propaganda do regime nazista, Joseph Goebbels, e outra do corpo de Mussolini pendurado pelos pés em um posto de gasolina.

O ex-chefe da PRF também salvou imagens ao lado do então presidente e de Michelle Bolsonaro durante as comemorações do Bicentenário da Independência, em Brasília, no ano passado.

O evento é alvo de três ações do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que apuram o desvio de finalidade da parada militar transformada em palanque da campanha à reeleição de Bolsonaro.

O ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que entrou na mira de investigações no Supremo por conta de uma minuta golpista encontrada em sua casa, é outra figura frequente na galeria de Silvinei, em registros fotográficos de solenidades – uma delas ocorreu em março do ano passado, quando o então chefe da PRF foi agraciado com a medalha de Ordem do Mérito do Ministério da Justiça.

O apreço por armas também é escancarado nas imagens em que Silvinei posa segurando uma bazuca ou uma foto do escudo da PRF feito com munição.

Em outra imagem, um print de tela de celular, de 30 de outubro, dia do segundo turno, traz a mensagem do TSE de que “quem impede a população de votar comete crime eleitoral” e que a denúncia de qualquer irregularidade pode ser feita pelo aplicativo Pardal, da Justiça Eleitoral.

Os bloqueios da PRF nas rodovias, aliás, irritaram interlocutores de Silvinei, que mandaram áudios com repúdio à postura da corporação.

“Vasques, Vasques…sabemos que tem o dedinho seu a mando do Bostonaro…. pra fazer isso, né? Para ordenar os agentes da PRF ficar barrando, fingir blitz para segurar os nordestinos e impedi-los de chegar ao seus locais de votação. O Lula ganhando, vamos pedir sua exoneração. Positivo?”, diz um homem não identificado.

Outro áudio, de uma mulher, é ainda mais enfático: “Olha, tu deixa o povo votar, seu pau no c…. Desgraçado. Tu quer roubar igual teu presidente. Vai arder no inferno. Satanás já está te esperando lá, desgraçado. Deus está vendo o que você está fazendo.”

Integrantes da CPI suspeitam que Silvinei mantinha esses áudios com xingamentos e ofensas para poder retaliar, caso Bolsonaro conseguisse se manter no poder.

O celular dele também era usado como uma espécie de Ouvidoria de bolsonaristas para pedir ajuda do ex-chefe da PRF e deixar alguns recados.

“Estamos numa manifestação aqui na Palhoça (Santa Catarina). Não sei qual o procedimento que a PRF pode tomar, mas já avisaram que o pelotão de choque da PRF está a caminho. Não sei se podem usar de violência. Estamos fazendo uma manifestação pacífica, não colocamos nada na via. Seria justo a PRF intervir numa manifestação dessa, de apoio ao nosso presidente?”, diz um homem.

Não há informações sobre a data do áudio, mas em 2 de novembro, três dias após a vitória de Lula nas eleições, a Polícia Rodoviária Federal usou bomba de efeito moral para liberar o bloqueio em uma rodovia de Palhoça feito por bolsonaristas que não aceitavam o resultado das urnas.

Em outro áudio, um interlocutor de Silvinei Vasques desabafa: “Uma pergunta: tem alguma expectativa de provar essa fraude, aí? De provar alguma coisa? Ou tamo f… mesmo, na mão dos corruptos?”

Um áudio alerta Silvinei para “ficar atento” a uma “caça às bruxas”, possivelmente em referência à derrota de Bolsonaro e ao retorno do PT ao Palácio do Planalto. “Imagino que vai se iniciar uma perseguição criminal, vão revirar tudo que seja possível de um embate jurídico”, afirma um sujeito, também não identificado.

A gestão de Silvinei foi marcada por uma série de episódios polêmicos que mancharam a imagem da corporação, como o assassinato do aposentado Genivaldo de Jesus em Sergipe por asfixia em uma viatura da PRF, a chacina na Vila Cruzeiro, em uma operação conjunta da instituição com o Bope que resultou na morte de 23 pessoas, e os bloqueios em rodovias da região Nordeste no segundo turno da última eleição.

No conjunto de áudios obtido pela equipe da coluna, há até ajuda esotérica, com uma espécie de leitura do mapa astral do então chefe da PRF, que é do signo de capricórnio.

“Você é uma pessoa que almejou uma carreira em relação à sua vida. Você sempre teve um grande sonho de ser alguém grande, de status, de posições elevadas. Isso mostra onde você está agora. Você traçou a meta da sua vida para chegar nesse posto onde você está agora”, diz um homem, não identificado, que tenta decifrar a personalidade de Silvinei.

“Você é uma pessoa relativamente boa, gosta de ajudar as pessoas quando você tem a possibilidade de ajudar.”

Questionada a respeito dos áudios, a defesa de Silvinei enviou uma nota em que diz desconhecer a existência de áudios e fotos no celular.

“Ocorre que a participação de grupos de WhatsApp pode ensejar a baixa automática para a biblioteca”, escreveu o advogado Eduardo Pedro Nostrani Simão. Sobre as fotos de Hitler e Mussolini, o advogado afirmou que Silvinei “nunca manifestou nenhum tipo de preconceito e discriminação. O que os advogados perceberam é que ele possui amigos brancos, negros e pardos”.

Fonte: O Globo

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