HUMIDADE OU UMIDADE –
A Língua Portuguesa é bela, sonante, suave para ouvir-se, cadenciada e múltipla, rica de vocábulos, fonemas e linguajares, tudo amalgamado no cadinho primevo, oriundo da ancestralidade céltica, da regência do período neolítico.
Em cada recanto um dizer, em cada lugar uma oitiva, que se alastram na doçura das falas e dos saberes, a feitio dos doces conventuais. Pelas mãos de minha saudosa mãe-professora primária-, educadora rígida, aprendi a respeito da humanidade, de húmus, de humidade, da humildade.
Letrados e filólogos registram a ambivalente umidade e eu relembro as corrigendas de minha nonagenária genitora, que nos dizia em seus últimos dias de vida:
A língua é viva e seus falares são mutáveis pela vontade do povo. Pobre professora! Morrer com o desencanto de não mais saber o que ensinara a vida toda.
Ela aprendeu a escrever pela lendária Seleta Vários Estilos, de Arnaldo de Oliveira Barreto, registrando Catharina (com th), sciencia (com sc), ella (com dois eles), pharmácia(com ph), philarmônica (com ph), humidade (com h), suprimidos, em 1931, por força do Acordo Brasil/Portugal.
Logo após, em 1934, o acordo se desfez. Em 1938, tudo volta “à estaca zero”. Depois, em 1943, reformam a ortografia, num vai e vem frenético e descabido.
Ela, nascida em 1912, ultrapassou acordos e desacordos gramaticais.
Recordo a socorrer-me do já sebento dicionário Cândido de Figueiredo e do carioca “Morais” (António Moraes Silva), também; mas, agora, de forma instantânea, “clico” o “Professor Google” e revejo: “No Brasil, as palavras corretas são “umidade” e “úmido”, ambas sem o h. Já em Portugal, Umidade ou humidade, qual a forma correta? Umidade ou humidade: As duas palavras existem na língua portuguesa e estão corretas. São usadas as palavras “humidade” e “húmido”.
Eu amo Portugal e o idioma da antiga Hispânia romana com a ancestralidade céltica.
As raízes do Condado Portucalense sugaram a seiva latina, formatando o galaico-português que se espraiou pela península, absorvendo dizeres mouriscos e judaicos.
Verdadeiro calidoscópio multiforme, que tanto nos encanta e deleita.
Sou um eterno aprendiz, um pobre aprendiz da língua do vate Camões.
Dias atrás, a Academia Brasileira de Filologia, elegeu-me Membro Correspondente Nacional e eu fiquei honrado e grato, silente, meditativo, com tamanha responsabilidade, perante tão ilustres filólogos.
Muita honraria para tão pobre marquês…
Meu brado retumbante contra a hifenização, consolidado na obra A Infernização do Hífen, que mereceu o Prêmio Nacional Antenor Nascentes, mostrou às escâncaras que Portugal desconhecia o medieval tracinho de Gutemberg, em Mogúncia.
Somente os idiomas francês e português continuam a chafurdar nos meandros de regramentos insólitos da bestial hifenização.
Neste propósito, a Língua de Cervantes é um exemplo a ser seguido, regido pelo bom senso e competência da Real Academia Española.
Costumo dizer, poeticamente, que sou muitos dentro de mim.
A minha costumeira humildade me mantém restrito aos limites das preocupações com o simples.
O gênio habita o mundo da simplicidade.
José Carlos Gentilli – Escritor, membro da Academia de Ciências de Lisboa e Presidente Perpétuo da Academia de Letras de Brasília
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