HUMOR ANESTÉSICO –
As amenidades relatadas abaixo, inclusive contando fatos, ou versões, supostamente acontecidas com alguns amigos da província, não causaram nenhum constrangimento, na época, aos seus personagens. Pelo contrário, todos levaram na brincadeira alguma irreverência cometida. Infelizmente alguns desses bons colegas já se foram. Outros, estamos aí… testemunhas oculares da história. Alguns causos são verdadeiros… outros, nem tanto.
Anestesistas improvisados
Como vimos em artigos anteriores, a anestesiologia como ciência é relativamente recente, tem apenas 170 anos, posto que a primeira demonstração com sucesso foi feita em 16 de outubro de 1846 por William Thomas Green Morton.
Era comum, até meados do século passado, a anestesia ser “aplicada” por estudantes de medicina, enfermeiras e outros profissionais da área médica.
O então acadêmico Leide Morais, de tanto aplicar anestesia com máscara aberta, quando estudante na Bahia, acabou sendo acometido de uma hepatite por inalações repetidas, provocadas pelo sistema poluente.
Araken Irerê Pinto, por excesso de cuidado com o paciente, aproximou-se demais da máscara de Ombrèdanne e quando menos se esperava o nosso ex-narcotizador tombou desacordado.
Ambos, narcotizador e narcotizado, foram socorridos por Edmilson Fernandes que, entusiasmado, virou anestesista além de ginecologista e obstetra.
Murilo Barros, o pragmático
Durante os 28 anos em que dirigiu a Maternidade Escola Januário Cicco, Leide Morais, semanalmente, fazia duas reuniões. Às terças de cunho científico e às quintas de caráter cultural.
Murilo se caracteriza pela objetividade e pragmatismo. Numa terça, discutia-se à exaustão um caso clínico. Já ia com mais de uma hora e não havia consenso. O professor Leide pede a opinião de Murilo que a tudo assistia sem se manifestar. Lacônico, Murilo não se alterou:
– Botava a paciente na sala de cirurgia e tirava o útero.
Depois de mais outra hora de debates na mesa redonda, não foi outra a conduta médica que resultou de longas discussões: histerectomia.
Numa quinta-feira cultural veio um coreano fazer uma palestra sobre iridologia. Examinando apenas a íris dos olhos dos pacientes ele era capaz de diagnosticar até úlcera de perna. Murilo não se conteve:
– Não é mais fácil mandar levantar a roupa e examinar a perna?!
O palestrante ficou gaguejando.
As histórias seguintes me foram relatadas por Murilo. Deusdedith Nobre era aquele tipo baixinho, mas sempre com uma graça para contar, ou mesmo fazer. O anti-herói era sempre ele próprio. Uma senhora que ia ter menino recusou-se a tomar anestesia com o estudante Deusdedith, dizendo que não aceitava anestesista nascido de sete meses (se referindo à sua baixa estatura).
Já o doutorando William Pinheiro, alto e forte, aplicava a anestesia de contenção como nenhum outro. Conta-se que ele estava fazendo a história (anamnese) de uma senhora do interior, muito rude e sofrida. A mulher com muita dor, já não demonstrava a menor paciência para responder às perguntas.
– Quantos filhos a senhora já teve?
– Bem uns dez…
– O mais velho tem quantos anos?
– Quantos anos eu não sei… mas é uma tora de moreno igual a esse aí… e apontou para o professor.
Morreremos os três
Havia um gaseólogo que tinha o hábito de cortar a cânula de intubação rente à boca do paciente. Numa cirurgia para amigdalectomia, Paulo Pinto tentava a intubação nasal com o tal tubo, que ele ignorava que estava cortado. Quando o tubo chegava na glote, desaparecia na narina. O pai da criança, um militar meio nervoso, assistia à intervenção do filho por um visor que existia na janela da sala de cirurgia e acompanhava cada movimento. O colega ventila o paciente e tenta correr para a sala vizinha, onde pegaria um tubo novo. O cirurgião, Jahyr Navarro, pensando que o anestesista ia embora pra casa, agarra-se com ele aos gritos de “morreremos os três!” (anestesista, cirurgião e paciente). Felizmente entendeu a tempo o que estava ocorrendo e terminou tudo bem.
A ciência, a fé e a veia difícil
Contou-nos João Campos Filho que, nesses anos iniciais, um colega segurava a máscara de anestesia com uma mão, enquanto, com a outra debulhava avidamente um terço… Salvo engano era o doutor José Almério.
Já outro anestesista tentava a todo custo puncionar a veia de uma criança rebelde para iniciar a anestesia. O pai da criança segurava-a tentando imobilizá-la. Naquela confusão o nosso colega exclama triunfante: pronto, consegui! E injeta rapidamente o tiopental. Qual não foi a surpresa dos circunstantes quando o pai da criança desmoronou-se no chão em sono profundo enquanto o peralta fugia em embalada carreira. Por engano o nosso amigo puncionou a veia do pai da criança…
Peridural em cavalo
O saudoso colega João Bosco Barbalho Clímaco de Carvalho, natural de Goianinha, foi o eterno chefe do serviço de anestesiologia da Maternidade Escola Januário Cicco, da UFRN. Grande baluarte da anestesiologia norte-rio-grandense realizou a primeira Jornada Norte-Nordeste de Anestesiologia – JONNA no nosso estado, quando era presidente, em 1981. Faleceu, de infarto, no ano de 2.000, aos cinquenta e cinco anos de idade. Muitas saudades. Era meu companheiro de viagens para jornadas, congressos, bares, serestas e restaurantes. Certo dia nos telefonou para saber da possibilidade de fazer uma peridural num cavalo de propriedade de Sérgio Lamartine. Ao responder que não tinha nenhuma experiência, abordamos o problema da dose e chegamos a apenas uma conclusão: que a dose tinha que ser cavalar…
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