ÍDOLOS E PREFERÊNCIAS –
Descobri o meu time de coração em Natal por influência de meu pai, ardoroso torcedor. Ouvindo o rádio, aprendi a gostar do ABC, sem entender direito o que era torcer e nem o que era o futebol.
Fui pela primeira vez ao estádio Juvenal Lamartine num dia em que o time enfrentou o Auto Esporte de João Pessoa. Não me lembro muito bem do jogo. Mas me recordo de Papai e seu amigo José Pereira, da arquibancada, querendo arrancar o couro do marcador do baixinho e serelepe Jorginho. Era um negrão alto e forte que com as chuteiras quarenta e cinco teimava em mirar e acertar somente as canelas do nosso ídolo. Engrossei o coro e passei também a desejar os piores infernos para o truculento que, por despautério e atrevimento, se chamava Jesus!
Se o amor de papai me levou ao romance com o ABC, o mesmo não se deu com o Vasco, por quem ele e minha mãe choravam e brigavam. Ela guardava, espalhados pelas paredes da sala, fotografia do grande Vasco dos anos 1950, base da Seleção, pose de Belini, o galã, Ademir, Vavá, Danilo Alvim, Ipojucan. Pois é, tinha esse jogador, sim.
Mas era assim, a casa cheia dos símbolos cruzmaltinos, cheirando a Vasco por todos os poros. Mas eu resisti. E descobri, por uma entrevista à Revista do Esporte de um precoce garoto carioca, mascote do time, que eu queria torcer pelo Flamengo. O rechonchudo sabia tudo sobre o rubro-negro, as escalações, os títulos, as grandes conquistas, os maiores ídolos. Fiquei impressionado e decidi que seria flamenguista. Não me lembro do nome do menino, mas sinto por ele enorme gratidão pelo privilégio de também poder amar brigar e chorar pelo Flamengo. Mas eu, hoje, apenas admiro e gosto. Não amo, não brigo e nem choro.
Outra admiração importante no futebol é por aquele que sempre esteve a poucos graus de tornar-se unanimidade: Pelé. É fácil perceber que partidas de futebol, hoje, tornaram-se meras disputas, duelos de eficiência, força e poder. Pelé é da época em que um jogo era também espetáculo de habilidade, inteligência e beleza plástica. Esse jogador, desde as suas primeiras performances fez da bola uma amiga, uma escrava, uma companheira. Alguns pretensiosos, em busca de novidades e interessados em polêmicas estéreis, às vezes querem passar a ideia de que este ou aquele jogador – do Brasil ou do exterior – podem ter jogado mais e melhor do que o Rei. Histórica e estatisticamente isso é impossível.
Os títulos conquistados, os gols assinalados, a condição atlética e física, a conduta moral, o prestígio esportivo, social e pessoal atingidos por Pelé (recebido e reverenciado por reis, rainhas, presidentes, papas católicos, personalidades importantes do mundo inteiro) o colocam muito acima de qualquer jogador da atualidade e do passado.
Já ouvi alguns, sem muita convicção, dizerem que o nosso querido e fenomenal Garrincha teria sido o responsável pelo êxito de Pelé, o real e verdadeiro orquestrador da sua genialidade em campo. Uma bobagem que não se sustenta, pelo simples fato de que o Anjo das Pernas Tortas e o Rei jogaram juntos muito pouco! E todos sabem que nunca estiveram em um mesmo clube. Pelé, a vida quase toda no Santos e Garrincha, no Botafogo. Na copa de 1958, começaram como reservas; em 1962, Pelé, machucado, só esteve em uma partida; em 1966, além de alguns amistosos, jogaram apenas duas; e em 1970 Garrincha não foi convocado. A única verdade é que, atuando juntos, não perderam um só jogo.
Nunca houve, não há e jamais haverá um jogador de futebol como Pelé.
Alberto da Hora – escritor, músico, cantor e regente de corais