IGUAL AO GORGONZOLA –
Este ano eu completo 19,5 anos de existência tomando como base o calendário dos anos bissextos ou, 936 meses de vida, se observado o Calendário Gregoriano. Sem embromação ou ufanismo atingirei em poucos dias a marca das 78 primaveras me dando por satisfeito nesse período de permanência no planeta.
Cabeça boa, raciocínio lógico, aceito sem contestações o convívio com o assustador, mas nem tanto doloroso fardo dos anos. Suponho que assim esteja acomodado por haver trabalhado minha cabeça para o fato inevitável do envelhecer.
Hoje, posso fazer o que quero, quando bem entendo e na hora que me “der na telha”. Não dou satisfação por meus atos a ninguém, nem me imiscuo na vida dos outros, sempre obedecendo os padrões prescritos para a boa convivência sem ultrapassar os limites do salutar e do civilizado. Vivo a minha vida e isso me apraz. Afinal, “o que se leva da vida é a vida que se leva”, segundo Aparício Torelli, o Barão de Itararé.
Gosto da natureza, de caminhar, admiro o belo, me deleito com uma boa música, um bom filme, com um papo entre amigos. Curto a sinceridade, a espontaneidade e a inocência das crianças. Tenho horror ao perigo e a esportes radicais no ar e no mar – jamais saltaria de paraquedas ou praticaria balonismo porque não tenho asas; tampouco me arriscaria a praticar bodyboard, rafting, kitesurf ou wakeboard, porque não sei nadar.
Adoro ler e escrever, e até fico tentado a acreditar no que o escritor Geraldo Batista diz, quando nos encontramos nas caminhadas matinais no Bosque dos Namorados, tentando me inflar o ego após ler algum texto meu: Você fez o MOBRAL bem-feito! Por último, vale a pena conjecturar sobre este desabafo atribuído à atriz carioca Clarice Niskier, integrante do Movimento Direitos Humanos, acerca da maneira como ela entende o enfrentar a velhice:
“Estamos envelhecendo, estamos envelhecendo, estamos envelhecendo”, só ouço isto. No taxi, no trânsito, no banco, só me chamam de senhora. E as amigas falam “estamos envelhecendo” como quem diz “estamos apodrecendo”. Não estou achando envelhecer esse horror todo. Até agora.
Mas a pressão é grande. Então outro dia, divertidamente, fiz uma analogia. O queijo Gorgonzola é um queijo que a maioria das pessoas que eu conheço gosta. Gosta na salada, no pão, com vinho tinto, vinho branco, é um queijo delicioso, de sabor e aroma peculiares, uma invenção italiana, tem status de iguaria com seu sabor sofisticadíssimo, incomparável, vendido aos quilos nos supermercados do Leblon, é caro e é podre.
É contaminado por fungos, só fica bom depois que mofa. É um queijo podre de chique. Para ficar gostoso tem que estar no ponto certo da deterioração da matéria. O que me possibilita afirmar que não é pelo fato de estar envelhecendo ou apodrecendo ou mofando que devo ser desvalorizada.
Saibam: vou envelhecer até o ponto certo, como o Gorgonzola. Se Deus quiser, morrerei no ponto G da deterioração da matéria. Estou me tornando uma iguaria. Como o vinho tinto, sou deliciosa. Aos 50 anos fui uma mulher para paladares variados, aos 70 sou uma mulher para paladares sofisticados. Não sou mais um queijo Minas Frescal, não sou mais uma Ricota, não sou um queijo amarelo qualquer para um lanche sem compromisso. Não sou para qualquer um, nem para qualquer um dou bola, agora tenho status, sou um queijo Gorgonzola.
Uma lufada de otimismo para os inconformados com a inevitabilidade do fim, quando postados no limiar da existência. Alvíssaras à vida!
José Narcelio Marques Sousa – Engenheiro Civil
Cabe como uma luva ao filme que vi ontem de um professor da USP, ao qual fala da vida que levamos sempre com projetos no amanhã e qnd o conseguimos, passamos para outro, e assim sucessivamente, e esquecemos de viver o HOJE. A beleza da jornada está no caminho e não na chegada, foi um ponto e tanto de Virada em minha vida. E agora juntando o VIVER AQUI E AGORA com o GORGONZOLA, com certeza a vida valeu muito a pena. Parabéns dr Narcelio, pelo aniversário e pelo texto