ILUSTRES DESCONHECIDOS –
Uma diversão dos tempos da adolescência e da juventude era, de passeio com os amigos, identificar na rua, principalmente no centro da cidade, as pessoas com as quais tínhamos relação de conhecimento e amizade, ou alguma personalidade que eventualmente podíamos encontrar circulando em público. Era uma disputa ingênua, vencida por aquele que contava o maior número de encontros ou identificações, e, por vários motivos, era eu que vencia a maioria dos cotejos contra os amigos e até contra o meu irmão mais velho, que sempre me acompanhava nessas aventuras juvenis.
É fácil perceber a razão da quantidade de encontros ocorridos, mesmo sendo nós moradores do subúrbio. Era para o centro, evidentemente, que acorria a maioria dos habitantes de uma cidade como Natal, na época em que não havia grande comércio, diversões e atrações importantes ou suficientes, nas ruas dos arrabaldes, exceção feita para as feiras livres, que, normalmente, ocupavam – e ainda ocupam – os logradouros mais populares. Assim, tornava-se possível, e até comum, topar com um colega da escola, com um parceiro de peladas, com um vizinho e com amigos ou figuras notórias que também transitavam pelas ruas e avenidas centrais e viam filmes nas poucas salas de cinema das quais sempre fomos entusiasmados frequentadores. Nos anos 1950 a 1960, nossa cidade ainda respirava o ar de uma atmosfera provinciana, que criava e permitia um tranquilo, fortuito ou programado passeio por calçadas e praças. E todos sabem que era – e ainda é – muito bom encontrar amigos e conhecidos em meio às aventuras de percorrer, por necessidade ou prazer, as ruas da sua cidade.
Mas o mundo muda, e as cidades também mudam, em função do inexorável progresso que modifica o comportamento e até as aspirações individuais. E o primeiro reflexo dessas irreversíveis alterações é o compulsório ou intencional afastamento físico e social das pessoas. Como até a vizinhança mais próxima sofreu alteração nas suas relações, é natural que os insólitos encontros de pessoas de classes distintas também sofressem um maior distanciamento físico e geográfico. O crescimento da população e o ingresso de famílias oriundas do interior e até de outros estados influenciaram no surgimento de novos núcleos, com seus variados níveis econômicos. E as classes de melhor condição financeira deixaram de circular nos centros urbanos mais populares, preferindo o conforto dos edifícios e de outros equipamentos urbanos, como os emblemáticos shopping centers, mais adequados ao seu poder aquisitivo. Muitos dos remanescentes de épocas passadas, porém ainda recentes, não mais se reconhecem como habitantes da urbe que era, de certo modo, extensão da sua casa, ou da sua vizinhança.
Voltando a percorrer as ruas da cidade e corredores dos grandes shoppings, apesar dos interesses comuns a um setentão, às vezes tento reviver a prática adolescente de procurar amigos e conhecidos. Entre tantos rostos, alguém que integre o rol dos meus conhecimentos, ou com quem eu possa manter um dedo de prosa, como celebração de uma velha ou nova amizade. Entretanto, é como se estivesse em outra cidade. Encontro alguns, é verdade, porém são tão poucos e absortos que não tenho coragem para roubar-lhes o deslumbramento, mesmo com um simples olá!, ou um como vai?, porque, embora com a sensação de confinamento, é grande o espaço e requer uma dedicação maior do que aquela que exigiam as calçadas e as praças. Em passeios recentes, movido pela avidez pós-pandemia, pós-quarentena, andei ansioso para rever algum amigo, em tardes inteiras de caminhada e circulação. Mas rostos e caras de ilustres desconhecidos substituíram aquelas que, com pureza e curiosidade, intentávamos reconhecer e identificar com prazer, orgulho e vaidades juvenis.
Alberto da Hora – escritor, músico, cantor e regente de corais
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