A INTEGRAÇÃO DO DIREITO III –
Nos dois últimos artigos aqui publicados, tratei dos métodos de integração do direito, conforme expressamente preconizado no art. 4º da “Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro” (Decreto-Lei 4.657/42), a saber, a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito. E prometi, para hoje, cuidar da equidade, assim com dar um ponto final às nossas conversas sobre a tal integração do direito.
Bom, há quem tenha a equidade como um dos meios de integração do direito. Isso é verdade em parte, sendo que preciso distinguir algumas coisas.
A equidade prevista no art. 5º da “Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro” – que afirma “Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum” – não é, definitivamente, uma forma de integração do direito. Não o é, primeiramente, sob o ponto de vista formal, porque ela vem em dispositivo independente e não como parte do rol de meios de integração do direito elaborado pelo art. 4º do mesmo diploma legal. Na verdade, no caso do art. 5º, tem-se apenas o denominado julgamento “com” equidade, sempre louvável, havendo ou não lacuna na lei, em que se faz uso do bom senso, adaptando a lei ao caso concreto, em busca de um julgamento justo, equilibrado, proporcional.
Doutra banda, é até possível cogitar ser a equidade prevista no art. 140, parágrafo único, do Código de Processo Civil de 2015 – que dispõe “O juiz só decidirá por equidade nos casos previstos em lei” – uma forma de integração do direito (e, mesmo assim, isso não vale para todos os casos). Aqui, em que temos o julgamento “por” equidade autorizado por lei, abre-se mão do julgamento “de direito” para se ter um tipo de prestação jurisdicional fundada no que é justo na particular situação. Entre nós, apenas excepcionalmente se permite o julgamento “por” equidade, como nos casos da jurisdição voluntária e da arbitragem. E se faz isso não necessariamente porque a lei é lacunosa para a hipótese do caso concreto (na verdade, em regra, a lei para o caso concreto existe), mas precisamente por opção legal (de uma lei essencialmente processual), que autoriza esse tipo de julgamento “por” equidade, “menos legal” e teoricamente mais justo, em alguns casos excepcionais. E só na dupla hipótese da lei processual autorizar o julgamento “por equidade” e de não haver lei material para o caso concreto, nessa coincidência, é que teríamos a equidade como meio de integração do direito.
Por derradeiro, para encerrar o assunto da integração do direito, ainda resta a seguinte questão: há uma ordem de preferência na utilização dos métodos de integração previstos no art. 4º da “Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro” (Decreto-Lei 4.657/42)? Primeiro tenta-se a analogia, quando não esta não é possível parte-se para os costumes e, apenas se não for caso de fazer uso desse dois métodos, é que se parte para os princípios gerais do direito?
Há quem entenda não haver na nossa “Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro”, à luz do disposto no seu art. 4º, uma ordem de preferência para a utilização dos métodos de integração do direito. E pode ser esta até uma tendência em crescimento na doutrina.
Entretanto, nesse ponto, prefiro ser mais técnico e conservador, acreditando, em compasso com a lição de Eduardo Espínola e Eduardo Espínola Filho que, “na gradação das fontes, nunca perderá o intérprete de vista que a lei deve ser aplicada a todas as hipóteses que, segundo os elementos gramatical, lógico-técnico-sociológico e sistemático, têm nela uma disciplina direta e própria”. Na falta de lei expressamente regulando a matéria, cumpre primeiramente verificar se, na legislação como um todo, há, regulando hipótese semelhante, algum dispositivo que, por analogia, possa ser aplicado ao caso não regulado. Somente havendo omissão dessas duas fontes (a lei e o recurso à analogia) é que se recorre ao costume como método de integração do direito. E, por fim, quando o processo de integração, mesmo chegado a esse ponto, de consulta à analogia e aos costumes, não der uma solução escorreita, deve se fazer uso dos princípios gerais de direito.
Até porque foi assim que me ensinou o meu mestre Arruda Alvim. Se estão duvidando, vão lá e consultem o seu já velhinho “Código de Processo Civil Comentado” (de 1979, publicado pela Editora Revista dos Tribunais). O volume 5, mais precisamente.
Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL e Mestre em Direito pela PUC/SP