A influenciadora Chiara Ferragni, uma das maiores do mundo neste segmento, está no centro de uma tempestade midiática desde dezembro. Tudo começou quando recebeu uma multa de 1 milhão de euros por “práticas comerciais incorretas” numa polêmica ação de caridade feita em colaboração com uma marca de doces de Natal. A campanha sugeria uma aparente arrecadação de fundos para um hospital infantil, mas na verdade isso não existia.
Criticada até pela primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, a influencer pediu desculpas num vídeo e anunciou que doaria os milhões de euros que embolsou com as vendas a um centro médico de Turim. O gesto não resolveu o problema. Nas últimas semanas, tem havido uma debandada de patrocinadores e seguidores e até o governo aprovou uma norma, conhecida como lei Ferragni, para regular perfis em redes sociais com mais de um milhão de seguidores com o objetivo de prevenir fraudes e publicidade enganosa e proteger a integridade de menores de idade.
A conhecida influenciadora, uma das primeiras no mundo a serem reconhecidas como tal, está sendo investigado pelo Ministério Público por suposto crime de fraude agravada. Além da campanha de doces de Natal, ela impulsionou a venda de alguns ovos de Páscoa de chocolate e de um boneco para crianças que também sugeria uma campanha solidária contra o cyberbullying e a homofobia.
Uma das marcas que decidiu se separar de Chiara Ferragni é a Coca-Cola, que inclusive já havia filmado um anúncio com ela em dezembro. A empresa de refrigerantes decidiu dar um passo atrás após o escândalo e os danos resultantes à sua imagem e anunciou que não transmitirá a publicidade.
“Trabalhamos com Chiara na Itália em 2023, houve até algumas filmagens em dezembro. No momento não pretendemos utilizar este conteúdo”, declarou a empresa ao jornal La Repubblica.
No final do ano, a Safilo, empresa italiana de óculos de luxo, também anunciou que havia descontinuado a colaboração com a Ferragni. A papelaria Cartiere Paolo Pigna é outra das que optou por romper relações comerciais com a influencer, com quem colaborava desde 2021.
A empresa defendeu que adotou esta decisão “em cumprimento do seu próprio código de ética empresarial, que exclui a colaboração com terceiros sancionados pelas autoridades competentes por comportamento contrário à ética, ao decoro e à lei.”
Ferragni, através das suas empresas, acionou um tribunal contra a multa milionária e anunciou que irá empreender “iniciativas semelhantes contra aqueles que agem contra contratos de colaboração existentes”.
Ela ainda mantém fortes relações comerciais com grandes marcas, como a Monnalisa, com a qual tem acordo para a criação de linha de roupa infantil, e é também imagem de Pantene, Arval Cosmetici e Nespresso, entre outras.
Danos a império e gestão de crise
À deterioração do prestígio da influenciadora, somam-se os danos econômicos ao seu império multimilionário, que inclui três empresas avaliadas em cerca de 100 milhões de euros (equivalente a R$ 530 milhões). Quantificar as perdas é complicado, porque, além das colaborações interrompidas, sua atividade nas redes sociais, uma das suas grandes fontes de rendimento, foi drasticamente reduzida. A italiana já não divulga posts patrocinados no seu Instagram, pelos quais cobrava dezenas de milhares de euros.
Após a publicação do vídeo pedindo desculpas, e após várias semanas de silêncio sem precedentes, Ferragni voltou há um mês ao Instagram, a rede social que a alçou à fama e onde costumava transmitir diariamente sua vida luxuosa. A italiana reduziu consideravelmente o número de publicações e restringiu os comentários dos usuários para evitar as mensagens negativas que recebeu quando a multa foi divulgada ao público.
Nas primeiras mídias publicadas nesta rede social após o escândalo, Ferragni disse aos seus seguidores (que, apesar do escândalo recente, ainda são 29,3 milhões) que sentia falta deles. A influenciadora perdeu pouco mais de 200 mil seguidores, uma porcentagem ínfima de sua comunidade — mas, para ela, que até agora sempre esteve em constante ascensão, esta é a maior queda desde que surgiu nas redes.
Ela agradeceu às pessoas que estiveram próximas dela nas últimas semanas e também àquelas que “expressaram a sua opinião, mesmo negativa, num tom calmo e construtivo, porque na vida há sempre tempo para confrontar, refletir e voltar a começar”. Suas palavras podem ser o primeiro passo de um longo processo de limpeza de sua imagem, que deve servir para manter a influência sobre seu público e acalmar as empresas com as quais ainda faz negócios.
Para uma influenciadora como ela, a reputação é um elemento primordial: é a chave para suas atividades e seus lucros. Ferragni precisa demonstrar que continua sendo uma colaboradora confiável se quiser manter seus contratos milionários. Como salientaram os meios de comunicação locais, a estratégia foi colocada nas mãos de uma empresa de comunicação especializada na gestão de crises de imagem, a Community Reputation Advisers.
Esta empresa geriu crises de reputação como a falência fraudulenta da empresa de lacticínios Parmalat e também trabalhou com empresas como a Standard & Poor’s, o clube de futebol Juventus de Turim e a companhia Atlantia, devido ao colapso da ponte Morandi em Gênova.
No caso de Ferragni, a estratégia é complexa. Primeiro, houve um período incomum de silêncio total. Depois, veio a frase “estava com saudades” para tentar reconquistar seus seguidores e, em seguida, as fotos de seus dois filhos, sua mãe e suas duas irmãs — todos conhecidos graças às suas redes sociais e às duas temporadas da família num reality show no Prime Video, Los Ferragnez.
Mas há uma ausência. Em suas publicações recentes, não há vestígios, nem nas imagens, nem nas histórias, nem nos comentários, de seu marido, o cantor italiano Fedez, que viajou para Miami. A imprensa italiana até fala em separação. A mídia alegou que Ferragni havia entrado em um prédio onde um conhecido advogado especializado em divórcios tem um escritório, algo que o círculo mais restrito da influencer acabou negando.
Há também quem sugira que o aparente distanciamento se deve a uma estratégia de marketing para separar as carreiras e as narrativas sociais de um dos casais mais midiáticos do país para salvar o seu império.