O filme iraniano “There is no evil”, de Mohammad Rasoulof, foi o vencedor do Urso de Ouro na 70ª edição do Festival de Berlim neste sábado (29). O longa concorria com outras 17 produções, incluindo o brasileiro “Todos os mortos”, de Caetano Gotardo e Marcos Dutra.
“There is no evil” é um filme sobre liberdade individual num país governado por um regime autoritário e que exerce a pena de morte. Ao fazer esse longa, Rasoulof driblou uma proibição vitalícia de filmar imposta contra ele.
Crítico ferrenho do regime islâmico em Teerã, o diretor não compareceu ao festival na capital alemã. Ele é também proibido de deixar o Irã e foi condenado a um ano de prisão em 2017.
Em “There is no evil”, Rasoulof usa quatro histórias tragicamente conectadas para expor seu caso contra a pena de morte no país, e mostra como a vida sob regimes opressivos se resume a uma escolha entre resistir e sobreviver.
O filme foi escolhido pelo júri internacional do Festival de Berlim, presidido pelo ator britânico Jeremy Irons e formado por seis jurados, entre eles o cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho, de filmes aclamados pela crítica como “Aquarius” (2016) e “Bacurau” (2019).
Também fizeram parte do júri a diretora palestina Annemarie Jacir, a atriz argentina Bérénice Bejo, a produtora alemã Bettina Brokemper, o cineasta americano Kenneth Lonergan e o ator italiano Luca Marinelli.
Principais premiados do Festival de Berlim
- Urso de Ouro de melhor filme: “Sheytan vojud nadarad” (“There is no evil”), de Mohammad Rasoulof;
- Urso de Prata/Prêmio Especial do Júri: “Never rarely sometimes always”, de Eliza Hittman;
- Urso de Prata/70ª Berlinale para “filme que abre novas perspectivas”: “Effacer l’historique” (“Delete history”), de Benoît Delépine e Gustave Kervern;
- Urso de Prata de melhor diretor: Sang-soo Hong, por “Domangchin yeoja” (“The woman who ran”);
- Urso de Prata de melhor atriz: Paula Beer, em “Undine”, de Christian Petzold;
- Urso de Prata de melhor ator: Elio Germano, em “Volevo nascondermi” (“Hidden away”), de Giorgio Diritti;
- Urso de Prata de melhor roteiro: “Favolacce” (“Bad tales”) dos irmãos D’Innocenzo;
- Urso de Prata de “desempenho artístico excepcional”: Jürgen Jürges, pela fotografia de “DAU. Natasha”, de Ilya Khrzhanovskiy e Jekaterina Oertel.
O Brasil na Berlinale
O Brasil teve presença recorde no Festival de Berlim deste ano, com 19 filmes selecionados e alguns prêmios. Na sexta-feira, o longa “Meu nome é Bagdá” ganhou o prêmio do júri de melhor filme na mostra Generation, dedicada ao público infanto-juvenil.
Dirigido por Caru Alves de Souza, a obra retrata o cotidiano da jovem skatista Bagdá, interpretada por Grace Orsato, na cidade de São Paulo. O júri afirmou que foi unânime na escolha do vencedor.
Ao argumentar a decisão, o júri disse ser impossível “não ser conquistado pela protagonista e sua comunidade e, da mesma maneira, era impossível esquecer o auge glorioso e poderoso deste filme”. “É uma prova de que a vida pode não nos proporcionar milagres, mas podemos superar todos os obstáculos se seguirmos nossa paixão”, acrescentou.
Segundo Caru Alves de Souza, “Meu nome é Bagdá” é um filme “sobre solidariedade entre mulheres e sobre as dificuldades que elas enfrentam no dia a dia”.
Neste sábado, o país também levou um prêmio, mas com uma coprodução, “Chico ventana también quisiera tener un submarino”, do uruguaio Alex Piperno, premiada pelo júri independente.
O primeiro longa-metragem de Piperno é uma história com um toque de realismo mágico, que conecta mundos e pessoas transgredindo as leis do tempo e do espaço. O filme estreou na seção Fórum da Berlinale e levou o prêmio do júri dos leitores do jornal “Tagesspiegel”.
Coproduzido entre Uruguai, Argentina, Brasil, Holanda e Filipinas, ele conta a história de um membro da tripulação de um cruzeiro turístico na Patagônia, que descobre um portal mágico ligando o navio ao apartamento de uma mulher em Montevidéu, capital uruguaia.
Ao mesmo tempo, um grupo de homens descobre uma cabana de concreto perto de sua pequena vila nas Filipinas, o que começa a preocupar alguns dos moradores. O filme entrelaça essas duas histórias num labirinto cinematográfico e contemplativo, com um final que revela o quebra-cabeça.
“Em imagens nítidas e bonitas, o filme de Alex Piperno funde realidade e ficção de uma maneira divertida. Nas diversas paredes e fronteiras do nosso mundo, ele encontra portas e passagens meio sonhadoras, meio reflexivas e aparentemente impossíveis”, disse o júri ao justificar a escolha.
“O filme combina queixa e estética de uma forma excelente, e clama por abertura: a cooperação global só será bem-sucedida se nós atravessarmos portas”, completou.
Outros filmes selecionados
Além de Todos os mortos concorrendo ao Urso de Ouro, o país veio forte, com cinco filmes, na mostra Panorama – a segunda mais importante e a única a ter uma premiação definida pelo público. Uma das obras foi “Nardjes A.”, do premiado cineasta Karim Aïnouz, um documentário sobre uma jovem ativista que luta pela democracia na Argélia.
Já “O reflexo do lago”, de Fernando Segtowick, mostra a vida dos que moram, sem energia elétrica, nos arredores de uma das maiores hidrelétricas da Amazônia, sob um olhar ambientalista.
Ainda na Panorama, o diretor Matias Mariani trouxe em “Cidade pássaro” a história de um músico que deixa a Nigéria para procurar o irmão desaparecido em São Paulo. Completaram a seleção “Vento seco”, de Daniel Nolasco, e a coprodução “Un crimen común”, dirigida pelo argentino Francisco Márquez.
Na mostra competitiva Encounters, que visa fomentar trabalhos “esteticamente ousados” e que possam trazer novas abordagens para o cinema, o Brasil concorreu com “Los conductos”, do diretor Camilo Restrepo, feito em coprodução com França e Colômbia.
Na seção Generation, além de “Meu nome é Bagdá”, o Brasil apresentou outros três filmes. Entre eles, “Alice Júnior”, de Gil Baroni: uma ficção divertida sobre uma youtuber trans, que já passou por festivais no Brasil.
O Festival de Berlim é um dos festivais de cinema internacionais mais importantes do mundo ao lado de Cannes e Veneza. Em 2020, foram exibidos na capital alemã 340 filmes produzidos por 71 países.