JAYME OVALLE, O MITO –

É difícil acreditar que ele teve existência real. De escassa poesia, exerceu influência sobre Manoel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Murilo Mendes; compositor de bela e diminuta obra musical, poucas vezes conclusivo, exerceu influência sobre Villa-Lobos; medíocre desenhista de letras, encantou Di Cavalcanti; vivendo a irrealidade, tornou-se Germano, personagem de Fernando Sabino em “O Encontro Marcado”.

Estimulou brasilidade a participantes da Semana de Arte Moderna de 1922. Mário de Andrade declarou que o considerava maravilha, extraordinário, disse que, se pudesse escolher, seria Jayme Ovalle. Boêmio, de profundas amizades, era um parceiro do imprevisível. Paraense, estudara piano, bandolim, violão, com a irmã, foi para o Rio de Janeiro e é um vivente das noites. Bebia e cantava na Lapa sob aplauso. Lá, as mulheres noturnas são as “noivas” de Ovalle.

Era tio e padrinho da linda e voluntariosa Yedda, mulher do poeta Augusto Frederico Schmidt, em cuja casa fazia apresentações para intelectuais brasileiros.

O potiguar Homero Homem definiu-o como o carro-chefe do imprevisto humano. Oriano de Almeida interpretou, ao piano, com a sua natural criatividade, o “Azulão”. Manoel Bandeira, que integrou a música com letra, afirmou que bastaria essa composição para imortalizar Ovalle.

Azulão seria o aumentativo do azul, diáfano ilimitado poderia refletir a vida surreal do compositor.

Quase tudo que se sabe dele é o que dizem os amigos. Dante Milano afirma que “tudo que ele fazia era prodigioso, mas não se dava ao trabalho de realizar, não podia, não tinha tempo”. A autobiografia ovalleana não passou do título: “São Sujo”, que veio nominar a insuperável pesquisa biográfica do escritor Humberto Werneck.

Ovalle era católico entusiasmado. A Bíblia, sua inspiração. Sobre rico exemplar garatujava poemas. E, logo, discutia com Deus. A morte, sua preocupação constante, passou a ser tema dos seus amigos. Vinícius de Moraes escreveu a “Última Viagem de Jayme Ovalle”. Em Roma, levado pela Morte às catacumbas, ele batucou com as caveiras. Depois, ambos – ele e a Morte – saem de porre.

Tudo nele era inimaginável, tudo com ele era possível. A artista Luz del Fuego exibia-se em palco “vestida” com uma enorme serpente. Quando resolveu viajar confiou a Ovalle a tarefa de tomar conta da cobra.

A única mulher que verdadeiramente o conheceu, sua esposa, a americana Virginia Peckham, qualificou-o: “Ele era um sujeito estranho. Boníssimo. Muito infantil. Provavelmente, um santo”.

Álvaro Moreyra sabia muito, e diz que ele veio de uma estrela. As criaturas e as coisas tornavam-se, junto de Ovalle, belas e boas. Tão misterioso, tão claro, água do céu, pássaro de Deus, flor da eternidade.

 

 

 

 

 

 

Diogenes da Cunha Lima – Advogado, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN

As opiniões contidas nos artigos são de responsabilidade dos colaboradores
Ponto de Vista

Recent Posts

COTAÇÕES DO DIA

DÓLAR COMERCIAL: R$ 5,8010 DÓLAR TURISMO: R$ 6,0380 EURO: R$ 6,0380 LIBRA: R$ 7,2480 PESO…

1 dia ago

Capitania dos Portos limita número de passageiros em embarcações de passeio nos parrachos de Rio do Fogo e Touros

A Capitania dos Portos do Rio Grande do Norte divulgou nesta quinta-feira (21), a publicação…

1 dia ago

Natal em Natal: Árvore de Ponta Negra será acesa nesta sexta-feira (22)

O Natal em Natal 2024 começa oficialmente nesta sexta-feira (22) com o acendimento da árvore natalina de…

1 dia ago

Faz mal beber líquido durante as refeições? Segredo está na quantidade e no tipo de bebida

Você já ouviu que beber algum líquido enquanto come pode atrapalhar a digestão? Essa é…

1 dia ago

Alcione, Flávio Andradde e Festival DoSol: veja agenda cultural do fim de semana em Natal

O fim de semana em Natal tem opções diversas para quem deseja aproveitar. Alcione e Diogo Nogueira…

1 dia ago

PONTO DE VISTA ESPORTE – Leila de Melo

1- O potiguar Felipe Bezerra conquistou o bicampeonato mundial de jiu-jitsu em duas categorias, na…

1 dia ago

This website uses cookies.