JUÍZES JULGAM JUÍZES CONFORME A LEI, SIMPLES ASSIM! –
Diz notícia de jornal do dia 01.10.19 que deputados e senadores estariam preparando argumentos para contra-atacar as críticas da Magistratura sobre a Lei de Abuso de Autoridade, na realidade, o nome correto da referida lei, Estatuto da Impunidade.
O mais contundente deles seria de que “(…) os acusados de abuso serão julgados por magistrados – e que se os juízes não confiam na própria classe, há pouco a fazer” (1).
Não queremos crer que congressistas usariam um argumento tão fraco, bobo, para não dizer outra coisa, que vimos ser desajeitadamente manejado por “intelectuais de facebook” em debates e artigos, como se fosse uma lógica insofismável.
Vamos começar a derrubar as mentiras do começo. Para que fique claro, usaremos o termo Juiz como sinônimo de Magistratura, e, quando o caso, especificaremos o juiz de primeiro grau.
Antes mesmo de debatermos o espantalho usado por alguns para tentar desmoralizar o Judiciário, é relevante observar um fato essencial: o acúmulo de acusações injustas.
Todo mundo já assistiu a filmes ou leu livros sobre pessoas que são acusadas injustamente de algo. Quem já se imaginou sendo pego pelas engrenagens da burocracia, respondendo processos de que sabe ser inocente? Tendo de pagar advogados, despesas, comparecer a audiências, ouvir mentiras ditas ao seu respeito e ainda temer, ao final de tudo, ser punido por uma coisa que nunca fez.
É isso que o Estatuto da Impunidade (Lei de Abuso de Autoridade – LAA) promete para os juízes.
Mesmo confiando no sistema e sendo inocentado ao final, o Juiz terá se submetido a um longo processo criminal apenas porque fez o seu trabalho.
E não será uma ou outra acusação, serão dezenas. E quem vai ter que pagar o advogado e as despesas será o próprio Juiz, muito embora tenha agido como agente político do Estado.
O mais engraçado de tudo, se é que se pode rir da desgraça, é que o fundo eleitoral somado com o fundo partidário para as eleições 2020, orçado em R$ 2,5 bilhões, vai servir para pagar advogados de políticos investigados e processados criminalmente, além de possíveis outras jogadas contábeis formais e este último ainda permitirá a compra e aluguel de imóveis por partidos (2).
Ora, se um processo já acaba com a vida de uma pessoa honesta, imagine-se o magistrado recebendo dez, vinte, cem processos criminais, já que os criminosos não perderão a oportunidade de ameaçar e pressionar o Juiz e buscar uma forma de escapar do crime que praticaram.
Infelizmente, será uma tônica infernizar a vida do Juiz.
Portanto, independentemente do argumento risível de que Juiz não confia em Juiz, o Estatuto da Impunidade (LAA) já mostra a que veio: acabar com a paz de espírito do julgador, que não terá mais condições de decidir com imparcialidade e segurança, sempre ameaçado de perder sua liberdade ou seu emprego apenas por aplicar a lei contra a criminalidade.
Dito isso, e agora ingressando no cerne do debate, o argumento de que os juízes não querem Estatuto da Impunidade (LAA) porque não confiam nos outros juízes é patético.
Juízes aplicam a lei, e não a sua vontade. E porque os juízes sabem que os outros juízes serão obrigados a aplicar essa nefasta, ilegal e injusta LAA (Estatuto da Impunidade), que só agrada a bandido, é que pretendemos que ela seja retirada do sistema.
O que sugerem os “defensores dessa tese” ao usarem esse argumento? Que os juízes deveriam confiar que ao serem julgados por outros juízes serão favorecidos de forma abertamente criminosa e parcial e a lei não seria aplicada?
Isso prova duas coisas:
1. que quem pensa assim mede o mundo por sua régua, ou seja, espera que quando for julgado será sempre favorecido, estando certo ou errado, beneficiando-se da parcialidade do julgador que o auxiliar por amizade, conluio, dinheiro ou qualquer outro motivo.
2. que juízes aplicam a lei e SABEM que terão que usar a LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE para punir juízes, promotores e policiais honestos, cujo único crime foi atuar contra o crime e a corrupção.
Mais claro que isso impossível: existe uma lei e ela deve ser cumprida. Dizer que os juízes deveriam confiar em outros juízes para “livrar a própria cara” é propor que devemos nos tornar uma máfia, criminosos que se beneficiam do poder para a prática de crimes, como se fôssemos corruptos.
Não somos.
E porque não somos é que acreditamos que uma lei que CRIMINALIZA O COMBATE AO CRIME deve ser jogada no lixo da história.
O povo brasileiro deixou claro que não quer isso.
Quantas vezes nós, como juízes, já não aplicamos a lei a contragosto da nossa vontade. Leis que favorecem Bancos e grandes empresas, que permitem a liberdade de criminosos, que facilitam o calote e a mentira.
Aplicamos todas, e continuaremos a aplicá-las, porque um Juiz não escolhe as leis que usa. Se elas existem, são válidas, constitucionais, devem ser utilizadas. Fazer o contrário é ser bandido, e nós nos tornamos juízes porque abominamos o crime, logo não vamos cometê-los por essência e isso parece elementar.
A Magistratura, ressalte-se, não é uma classe de bandidos. Em recente matéria tentou-se atacar os juízes dizendo que é comum a venda de sentença (3). A alegação é de que 11 magistrados foram punidos por esse motivo, e trata-se de uma afirmação genérica, que não pontua cada caso.
Essa matéria faz justamente o contrário do que pretende! De 17 mil juízes apenas 11 teriam sido punidos, isso equivale a menos de 0,06% (SEIS CENTÉSIMOS POR CENTO) da Magistratura. Pela lógica do texto, pois não estamos a julgar o mérito das decisões que não temos acesso, os outros 99,94% são honestos.
Porque os juízes confiam na honestidade dos outros juízes e sabem que terão que aplicar a lei e condenar pessoas por combater o crime é que somos contra essa absurda Lei de Abuso de Autoridade, na realidade, rebatizamos Estatuto da Impunidade, ou lei de incentivo a criminalidade.
O outro argumento, esse mais técnico, é de que nunca serão juízes a julgar juízes.
Juízes de primeiro grau serão julgados por desembargadores do Tribunal de Justiça, e, em caso de recurso, pelos ministros do Superior Tribunal de Justiça. Mas quem dará a última palavra serão os ministros do Supremo Tribunal Federal.
Desembargadores serão julgados pelos ministros do STJ e, por último, pelos ministros do STF.
E assim por diante. Quem dará a decisão última sobre os efeitos do Estatuto da Impunidade (LAA) serão os ministros do STF, portanto.
E quem julga esses ministros? Pelos crimes de responsabilidade, os membros do Senado Federal, que são os que votaram a LAA, e, nos crimes comuns, os próprios ministros se julgam entre si.
Resumindo, quem definirá o que é o Estatuto da Impunidade (LAA) será o STF e a AMB e outras associações já recorreram a ele, como deve ser feito em nosso ordenamento jurídico.
A consequência de tudo isso é clara: um Juiz sem tranquilidade, sem paz, não será capaz de bem julgar. Em todo o mundo entende-se que o magistrado deve ter uma vida tranquila para poder cuidar dos direitos dos outros, porque em meio à violência, à ameaça, ao ataque, ninguém decide bem. O que essa lei cria é uma justiça acuada, ameaçada, temerosa e, ao final, inexistente, o que atende aos interesses do crime organizado.
Concluindo, quem defende que Juiz deveria confiar em Juiz para que se favoreçam entre si em processos, além de não conhecer os juízes, mede o mundo por sua própria moralidade duvidosa, pensando que todos farão o mesmo. Nós, juízes, sabemos da honestidade que impera na classe em sua esmagadora maioria, e porque sabemos que ou aplicaremos o Estatuto da Impunidade (LAA), ou perdermos o cargo e seremos presos, que queremos por fim a essa injustiça.
Ignora, ainda, o ser acusado injustamente em processos criminais significa na vida emocional, profissional e financeira de um magistrado honesto e, isso sim, infelizmente, está, nesse momento, desanimando toda a classe.
Não é só confiar na justiça, é o peso que essas ameaças e constantes processos criminais trarão a vida de cada Juiz ameaçado pelos milhares de inquéritos e processos infundados, gerados por uma lei com intuito claro de retaliar, que, no fundo, tem o nítido interesse de conter a evolução do patente combate à corrupção dos últimos anos em nosso país.
Esse sim é o grande temor, o fim do combate à corrupção e o reinado absoluto do crime e da injustiça, é o que denunciamos ao povo brasileiro. https://blogdofred.blogfolha.uol.com.br/2019/09/25/congresso-nacional-quer-o-juiz-acovardado-diz-magistrado/ http://novoeleitoral.com/index.php/artigos/hervalsampaio/1253-a-patente-retaliacao-do-cn-a-juizes-e-autoridades-que-combatem-criminalidade-no-brasil
O Estatuto da Impunidade (LAA) é mais uma mordaça na Magistratura, talvez a mais dura delas!
(1) – Entidades veem maioria para paralisação de juízes estaduais contra lei que pune o abuso de autoridade. Disponível em: https://painel.blogfolha.uol.com.br/2019/10/01/entidades-veem-maioria-para-paralisacao-de-juizes-estaduais-contra-lei-que-pune-o-abuso-de-autoridade/, em 01.10.2019, às 9h02.
(2) Câmara aprova novas regras para aplicar e fiscalizar o Fundo Partidário. https://oglobo.globo.com/brasil/orcamento-preve-25-bi-para-fundo-eleitoral-em-2020-23922306 , em 05.10.2019, às 10h07
(3) https://theintercept.com/2019/09/29/juizes-desembargadores-venda-sentencas/, em 01.10.2019, às 9h25.
José Herval Sampaio Júnior – Presidente da Amarn (Associação dos Magistrados do Estado do Rio Grande do Norte) e Professor da Uern (Universidade do Estado do Rio Grande do Norte)
e Edu Perez de Oliveira – Juíz de Direito TJGO