JULGAMENTOS INJUSTOS –
É longa e cruel a história de abusos do poder sobre o Direito e a Justiça.
Nenhum julgamento foi mais injusto que o de Jesus Cristo, o Filho Deus. Assim também foram os urdidos e profundamente injustos que condenaram à morte Joana d’Arc e o padre Miguelinho. Os fatos, distantes, passaram-se na Palestina, na França e no Brasil, há 2 mil, 700 e 200 anos, respectivamente. Jesus foi sentenciado por decisão monocrática de Pôncio Pilatos; Joana d’Arc por um simulacro de júri, composto por 42 membros; o Padre por Comissão Militar. A execução pela cruz, suplício máximo, prova a condenação pelo Império Romano, a fogueira é própria da inquisição religiosa e o fuzilamento é do militarismo.
Jesus e o padre Miguelinho, à semelhança de Tiradentes, foram condenados pelo crimen laesae magestatis, crime de lesa-majestade, e por incitarem o povo a não pagar impostos. Joana d’Arc, pelos pecados de bruxaria e heresia. No julgamento de Jesus, os acusadores foram sacerdotes; com o padre Miguelinho, os sacerdotes foram os acusados, tanto que a Revolução Pernambucana ganhou o nome de Revolução dos Padres.
Jesus Cristo foi condenado à morte pelo governador da pequena província judaica. Pilatos sabia que a acusação era fruto da inveja dos sumos sacerdotes. O governador, assumindo a função de juiz, hesitava: por um lado, queria agradar a massa reunida por líderes invejosos. Por outro lado, sua mulher mandara dizer-lhe que o Cristo era um justo. Havia o costume da liberação de um condenado na festa de Páscoa. Pilatos perguntou à turba: “Quem quereis que vos solte? Barrabás ou Jesus, chamado Cristo?”. Barrabás era um bandido, chefe de revoltas. A massa, insuflada, fez a opção errada.
Conta antigo poema que Pilatos se explicou a sua mulher: “Todos nós, Miriam, temos a nossa cruz”.
Jesus teve acusação oral, desprovida de qualquer documentação, sem direito de defesa ou advogado, sem indicação de testemunhas confiáveis. O seu silêncio foi negativamente interpretado. Acusação, condenação e execução ocorreram no mesmo e único dia. Irônica mentira anunciou que na cruz estava o rei dos judeus.
Joana d’Arc foi queimada viva em Rouen, a 30 de maio de 1431, quando a Inglaterra dominava parte da França, ainda que reinasse Carlos VII. Ela, aos 19 anos, havia combatido vitoriosamente o exército invasor, como chefe do Exército francês. Dizia apenas obedecer às vozes celestiais que lhe mandaram libertar o seu País. Presa, teve julgamento de tribunal, presidido pelo bispo Pierre Cauchon, composto por cardiais, arcebispos, eclesiásticos de ambos os países. Para dar toque de independência, dele participava o reitor da Universidade de Paris. Na prisão, fora interrogada diariamente, até a exaustão. Entre as acusações estavam a de vestir-se como homem, renegando a natureza do seu próprio sexo.
Eu quis visitar a cidade em que ela foi sacrificada. No local, Praça do Velho Mercado, próximo à Catedral, uma igreja-museu relembra a história. Escultura de mármore que toma forma das chamas que a consumiram. Não muito distante, a estátua equestre da guerreira.
Vinte e seis anos depois de sua morte, ela foi absolvida pelo papa Calisto III, ex-professor de Direito da Universidade de Lérida. Em 1920, foi reconhecida como Santa e é padroeira da França.
O padre Miguelinho (1768 – 1817) fora frade carmelita e era professor de retórica.
Pretendeu a liberdade do Brasil e do reino português, sob Dom João VI. Por 103 dias, participou do governo libertador de Pernambuco, como secretário geral. Falharam as tentativas de apoio da Inglaterra, Estados Unidos e Argentina. Com sua irmã Clara, queimou todos os documentos que comprometeriam os seus companheiros.
Foi preso e levado para a Bahia em um navio significativamente chamado “Carrasco”. Interrogado, não quis silenciar como fizera seu Mestre. Afirmou ser autentica a sua assinatura, recusando uma possível absolvição oferecida pelo presidente da Comissão, o Conde dos Arcos. Foi condenado com base nos parágrafos 5º e 8º das ordenações do reino e executado no campo da pólvora, onde se erigiu o Fórum.
O Cristo fez justiça aos dois na Eternidade.
Diógenes da Cunha Lima – Advogado, Poeta e Presidente da Academia de Letras do RN