LAÇOS DE TERNURA – 

A mulher miúda era jovem quando chegou a Brasília. Naquele tempo, o lugar ainda era, muito mais, um grande acampamento, um esboço de qualquer coisa parecida com uma cidade devidamente instalada. Reinava certa desorganização, mas as pessoas que chegavam ao planalto Central do Brasil tinham certeza de haver encontrado o eldorado.

A mulher miúda era, naqueles tempos, uma moça até atraente. Tinha lá seu charme brejeiro. Em pouco tempo, entrou num nicho profissional que movimentava muito dinheiro e era dos mais tradicionais em qualquer ponto do país: a venda de joias de mão em mão. Um tipo de negócio que prosperava alimentado pelo insumo inesgotável da vaidade.

Mesmo com todas as suas precariedades inaugurais, Brasília já abrigava um mercado robusto de consumidoras ávidas, mulheres que desejavam conceder-se alguma recompensa por terem ido viver num lugar que oferecia basicamente vastidão, improviso, poeira e solidão.

A clientela era formada principalmente pelas funcionárias públicas, o que levou a mulher miúda a conhecer todos os labirintos da Esplanada dos Ministérios, Congresso Nacional e os prédios das autarquias e demais repartições. Nos finais de semana, aproveitando a propaganda boca em boca que as clientes tradicionais faziam para as vizinhas, ziguezagueava pelas superquadras em busca das esposas dos funcionários públicos que não trabalhavam fora. Quando percebeu, já zanzava até nas primeiras mansões dos lagos Sul e Norte.

Quando ela chegava com aquele pano aflanelado azul em formato de cilindro, repleto de cordões, pulseiras, brincos e anéis desembrulhava sopros dourados e prateados de alento. Uma espécie de mescalina oftalmológica. Aqui e ali tomava um cano, era um dos riscos do negócio. Mas aprendeu logo a estabelecer limites de vendas por cliente e a fazer reserva financeira para cobrir as fatalidades.

Nem bem tinha completado dois anos em Brasília, apaixonou-se pelo representante de negócios de uma multinacional. A sede brasileira da empresa ficava em São Paulo, mas o fulano tinha escritório bacana montado no Setor Comercial Sul da nova capital “para facilitar os negócios” – ah, essa nossa eterna vocação! –, costumava lhe dizer. Como vivia viajando de avião entre as duas cidades e tinha até ar refrigerado no escritório, ela tinha certeza de que ele era um homem muito importante.

Visitou o namorado uma única vez no trabalho e não fazia perguntas. Um dia, o sujeito não retornou mais e a mulher miúda teve um pressentimento estranho. Num telefonema ao escritório que ele chefiava, soube que seu homem era casado, tinha dois filhos pequenos e morrera de câncer. Mal se refez do golpe, descobriu-se grávida daquele amor improvável. Tinha vinte e cinco anos quando deu à luz um menino. Ficou estarrecida com o diagnóstico de paralisia cerebral que acompanhou o bebê para casa.

A partir daí, ela dedicou todas as forças ao seu menino. Não tinham parentes em nenhum lugar. Sobraram apenas os dois, era um pelo outro e ninguém mais.

Os tempos foram mudando muito e rápido, tirando do mercado aquele negócio de vender joias de mão em mão. A sorte é que os anos em corredores públicos lhe garantiram certa visibilidade, a ponto de um senador ficar compadecido e transformar a mulher miúda numa espécie de faz-tudo extraoficial do gabinete, enquanto teve mandato. Desde então, foi assim, às migalhas, que obteve o sustento dela e do filho.

Mal acabou de completar setenta e cinco anos e recebeu diagnóstico de câncer. Os médicos indicaram cirurgia. A mulher miúda, agora grisalha e ainda mais miúda, passou a viver o maior dilema de sua vida: fazer ou não essa cirurgia. Tinha medo de morrer, não pelo simples medo da morte. Sabia que, morrendo, estaria levando à morte seu menino, que completara cinquenta anos.

É claro que ela entrou em pânico, já que não havia parentes e ninguém, além dela, para cuidar do grande parceiro agora homem feito. Para fugir do desespero reforçou suas orações, clamando pela misericórdia divina.

Não ousava pedir para continuar vivendo; não queria, de forma alguma, incomodar Deus com uma bobagem dessas. Seu desejo ardente era que o Todo-Poderoso levasse seu menino um pouquinho antes dela, para que pudesse encontrá-lo pouco depois, lá em cima. Aí, sim, estaria em condições de morrer em paz. Algo que apenas o coração materno é capaz de compreender.

 

 

Heraldo Palmeira – Produtor Cultural

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