LAMPIÃO: HERÓI OU BANDIDO? –
Data em que veio ao mundo um personagem-mito brasileiro: Lampião. “Eu me chamo Virgolino Ferreira, Lampião. Manso como um cordeiro, brabo como um leão. Trago o mundo em rebuliço. Minha vida é um trovão
“- Lampião 4/06/1898- herói ou bandido? Pra mim herói”. …. (De Luciana Savaget, autora de O amor de Virgulino Lampião, diretora da Globo News).
No entanto, a questão que persiste: por que tanta admiração e folclore para um matador de gente naquela guerra sem fim?
Assim que um personagem-mito nacional, Antônio Conselheiro, saía de cena (1897), em Canudos, logo a seguir (04/06/1898) nascia outro: Virgulino Ferreira da Silva (Lampião).
A coincidência: ambos viveram (e reagiram a seus modos) em um ambiente hostil para qualquer ser humano, em meio a uma constante guerra de servilismos e anarquia de ordem, ou seja, o território árido da caatinga imensa.
Breve suma dos acontecimentos na transição Império – República. Após a grande seca de 1877 a 1879 que atingiu em cheio o sertão do Ceará, o sertanejo resistente se embrenhou em uma mistura explosiva, passaram a adentrar as terras assomadas por chefes políticos e coronéis de latada, da Guarda Nacional, criada no Período da Regência,
em 1831. A ideia era a de suprir os claros “de ordem” nos esconsos do país, e tais coronéis ou chefes políticos podiam agir para o bem ou para o mal. O povo nordestino do sertão composto de retirantes e ex-escravos circulavam na terra crua de sol abrasante, de pouca água e vegetação, numa dependência extremada de sobrevivência.
Este era o cenário para milícias de bandoleiros que igualmente precisavam se manter ora se aliando a coronéis ora no confronto com volantes atiçadas por chefes políticos. Para se ter outra ideia, até a célebre Coluna Prestes, ao atravessar a caatinga dos coronéis e de Lampião, sofreu vários ataques em que sucumbiram muitos revoltosos da
marcha, que, desgastados, obrigou-os a seguir até a fronteira com a Bolívia e findar o movimento.
Outro exame da situação neste recorte em debate polêmico. O ideal seria que os leitores examinassem a época, de preferência, a República Velha com as intrincadas conexões que moviam as vidas atreladas aos coronéis da Guarda Nacional, nascida no Império. As relações de compadrio das glebas cabrocadas, termo da época que significava roçados cultivados por agregados sertão a dentro. Léguas compridas de extensão catingueira, cujos limites sem cercado eram vigiados por capangas e curimbabas fixados em choças do esconso sertanejo. A conversa era na bala! Os incomodados se não tivessem padrinhos, mesmo que fossem “de fogueira”, tinham que se mudar para não morrer de morte matada.
Nessa linha de pesquisa, historiadores que perscrutam a senda do cangaço, e a vida dos tornados cangaceiros, reiteram que a família de Virgulino Lampião vivenciou o mesmo drama de muitos clãs pobres do sertão nordestino. E o pior, enquanto a disposição de maioria dos territorialistas, coronéis sertanejos, era sustentar a ferro e fogo suas posses a seu modo, quaisquer reativas de pequenos núcleos de jagunços ou de rústicos roceiros, eram tratados como, no mínimo, foras da lei em cenário anárquico da imensa caatinga. Lampião e os irmãos teriam acabado igualmente numa situação sem saída, e entrado na anarquia generalizada, de conflitos, revanches, cuja resolução das questões pontuais eram tomadas no bico de bacamartes e Winchester papo-amarelo.
Para uns era a lei e a ordem no sertão, para outros, ordem intrínseca a uma estrutura anárquica, isto é, de precária ordem ou disposição legal a partir de detentores de vastos latifúndios rurais onde se praticavam tipos de cultura que não exigiam grande investimento. Bastavam as guardas pessoais bem armadas.
E quantos Lampiões ainda existem nas periferias do Brasil de hoje?
O dilema folclórico e real continua…
Luiz Serra – Professor e escritor