Esse personagem marcante para a história nordestina continua sempre adorado ou odiado, muito mais referência como um marco de resistência popular do que puramente um bandoleiro das caatingas. Secamente, quem opina movido a repetitório, por uma simples leitura, em meio a centenas de obras e cordéis, todo modo, faz ainda mais por nutrir a legenda, a história motriz sertaneja.
O conveniente seria que os leitores examinassem a época, de preferência, a República Velha com as intrincadas conexões que moviam as vidas distantes do litoral, atreladas aos coronéis da Guarda Nacional, instituto nascido no Império. As relações de compadrio das glebas cabrocadas, termo da época que chamavam os roçados cultivados por agregados, sertão à dentro. Léguas compridas de extensão catingueira, cujos limites sem cercados eram vigiados por capangas e curimbabas, fixados em choças do esconso sertanejo. A conversa era na bala! Os incomodados se não tivessem padrinhos, mesmo que fossem “de fogueira”, tinham que se mudar pra longe para não morrer de morte matada.
Nessa linha de pesquisa, historiadores que perscrutam a senda do cangaço, e a vida dos tornados cangaceiros, reiteram que a família de Virgulino Lampião vivenciou o mesmo drama de muitos clãs pobres do sertão nordestino. E o pior, enquanto a disposição dos territorialistas coronéis sertanejos era de sustentar a ferro e fogo suas posses, quaisquer reativas de pequenos núcleos de indivíduos em bandos, ou mesmo de rústicos roceiros, eram tratadas como, no mínimo, foras da lei em cenário anárquico da imensa caatinga. Lampião e os irmãos teriam acabado, igualmente, numa situação sem saída, e adentrado na anarquia generalizada, de conflitos, revanches, cuja resolução de questões pontuais eram obtidas no cano de bacamartes e fuzis Winchester “papo-amarelo”.
Nesse seguimento, acabou que o pai de Virgulino Ferreira, um almocreve, esforçado trabalhador de pequena gleba, foi atingido por uma chamada volante de cachimbos que, como se sabia, era força móvel policial, arregimentada a partir de quadros de jagunçada de chefes políticos de cada província sertaneja, ora fardados ora paisanos. Para uns era a lei e a ordem no sertão; para outros, ordem intrínseca a uma estrutura anárquica, isto é, de precária ordem ou disposição legal a partir de detentores de vastos latifúndios rurais onde se praticavam tipos de cultura que não exigiam grande investimento. Bastavam as guardas pessoais ou capangagem bem armadas.
A inserção de Lampião como líder de bando, na expectativa dos sertanejos, era que ele não duraria muito tempo de ação, no entanto, por inegáveis “qualidades” de estratego e gestor de pelotões “do mal” nômades, conservou-se na luta por duas décadas. Ora arrostando coronéis internados na caatinga com imensas glebas, a partir de astuciosas aproximações, para poder fazer acampadas nesses territórios particulares, ora agredindo quem não colaborava ou traísse acordos precários claramente para atemorizar pequenos ou maiores donos de roçados, protetores de povoados, para que assegurassem os segredos de coito.
Muito dessa história pode absorvida em prazerosas leituras, a mencionar, de início, o mestre Luís da Câmara Cascudo, com as deleitosas análises etnográficas; também as linhas de pesquisa do escritor Honório de Medeiros, potiguar; as páginas eletrônicas de Rostand Medeiros; obras de Frederico Pernambucano; de Antônio Amauri; João de Sousa Lima, de Paulo Afonso; Oleone Fontes e José Bezerra Irmão, baianos; a filmografia de Aderbal Nogueira; livros de Sabino Basseti; Vera Ferreira; artigos do Blog Cariri Cangaço, de Manoel Severo; os folhetins do poeta Patativa do Assaré, entre outros narradores dessa história ímpar do chão nordestino.
Por derradeiro, se Lampião se finasse como uma página fechada e sombria da história, teria o mesmo fim de outro meliante cruel e de péssimos sentimentos, que se apagaria no tempo. Mas, não foi isso que se sucedeu. E pela lógica dos pobres, dos anti-heróis, dos perdedores, acabou martirizado, a exemplo de Jararaca em Mossoró, teria acabado mais um detestável personagem anônimo. Ocorre que a chamada Nova História, das ideias e mentalidades, faz recriar mitos que se consolidam com a cumplicidade popular, e, tal como Che, na América Latina, Lampião pode ser encaixado no escopo dessa vertente historiográfica, e assim ficará ao longo do tempo.
Desta forma, o romancista nordestino do Auto da Compadecida, Ariano Suassuna, longânime escritor brasileiro, definiu Lampião:
Lampião cometeu atos cruentos. Virgulino não era uma alma pura, mas também não era uma alma pequena e vulgar, era uma alma grande. Era um personagem trágico.
Do escritor Ariano Suassuna, em palestra no TST, DF: 18/04/2012.