LEMBRANÇAS DA MINHA INFÂNCIA E JUVENTUDE –
Todos os anos, quando chega a Semana Santa, sinto uma saudade imensa da minha infância e juventude em Nova-Cruz, que, para mim, será sempre a minha “aldeia”. A Nova-Cruz, de um tempo em que a maldade não tinha nascido, e quando a vida era um doce mel, com a família toda reunida, sob as bênçãos de Deus e do nosso porto seguro, Francisco e Lia.
A Semana Santa, que se inicia no Domingo de Ramos, com a entrada de Jesus em Jerusalém, para os adeptos da Igreja Católica, era uma época triste e sombria. Nesse tempo, durante a Semana Santa, a religiosidade pairava sobre a cidade e o povo lotava a Matriz da Imaculada Conceição, para participar dos ritos religiosos.
O ar que se respirava era melancólico, diante da expectativa de que Jesus morreria crucificado na Sexta-Feira da Paixão.
Na sala da nossa casa, ficavam dois sacos grandes, um com brote, outro com bacalhau. Eram as esmolas que minha mãe distribuía aos pedintes, na Quinta-Feira Santa e na Sexta-Feira da Paixão. Nessa época, década de 60, bacalhau era produto de baixo custo.
As comadres da minha mãe, que residiam na zona rural, traziam-lhe beijus de goma com coco, de presente, feitos em Casa de Farinha, cujo cheiro e gosto nunca esqueci.
Na Quarta-Feira da Semana Santa, a chamada Quarta-Feira de Trevas, se relembra a traição de Judas Iscariotes, um dos Doze Apóstolos de Jesus Cristo.
“Então um dos Doze, chamado Judas Iscariotes, foi ter com os príncipes dos sacerdotes e perguntou-lhes: Que quereis dar-me e eu vo-lo entregarei. Ajustaram com ele trinta moedas de prata. E desde aquele instante, procurava uma ocasião favorável para entregar Jesus ( MT 26, 14- 16)”. Judas representa todas as forças do mal, que se opõem aos planos maravilhosos de Deus.
À tarde, a Igreja ficava lotada, e os fiéis participavam do Ofício das Trevas.
Algumas pessoas, por ignorância ou fanatismo religioso, naquele dia, não tomavam banho, achando que iriam pecar e ficar entrevadas, por castigo de Deus.
Esses medos faziam parte da crendice popular, espalhada pelos recantos mais atrasados do Nordeste.
Em uma das Missões de Frei Damião, em Nova-Cruz, foi desmistificada essa crendice, e o santo Frade, no fim de suas pregações, falava:
“Todo mundo pra casa, tomar banho, inclusive na Quarta-Feira de Trevas. Não quero ninguém aqui fedendo a bacorinha!” (porco novo).
A Vigília Pascoal faz parte do Tríduo Pascoal, onde vivemos os passos de Jesus, rumo ao Calvário, ao Sepulcro e à Ressurreição. Esse Tríduo começa com a Quinta-Feira Santa, pela conhecida Missa do Lava-Pés”, por meio da qual,
Jesus instituiu a Eucaristia e o Sacerdócio, com uma recomendação: “Fazei isso em minha memória” (Lc 22, 19).
Na Quinta-Feira Santa, portanto, se comemora o Lava-Pés e a Última Ceia de Jesus com seus apóstolos, segundo o relato dos evangelhos canônicos. É quando se revive a traição de Judas, durante a Última Ceia. É o começo do martírio de Jesus, que, enxotado e levando chibatadas dos guardas, carregaria sua Cruz, para ser crucificado e morto na colina “Calvário”.
Na Sexta – Feira da Paixão, Jesus Cristo estava morto e a imagem do seu corpo ficava em exposição na Igreja, durante todo o dia. Formava-se uma fila interminável, para que os fiéis o beijassem. Era o dia do “Beija”.
Nesse dia, minha mãe jejuava, alimentando-se apenas de pão e água, assim como outras pessoas católicas.
Paralelamente, na Sexta-Feira da Paixão, havia uma grande preocupação das famílias, de esconder suas galinhas dentro de casa. Os “biriteiros” de plantão costumavam furtá-las dos quintais nessa noite, e transformá-las em guisados, para lhes servir de tira-gosto.
O furto de galinhas, na noite da Sexta-Feira Santa, era uma tradição, fruto da cultura popular nordestina. Geralmente, os “gatunos” eram jovens conhecidos e de boa família, e, às vezes, faziam isso por brincadeira.
Por preceito religioso, nesse dia triste, eram praticados o jejum de carne e abstinência de bebidas alcoólicas. Não se ouvia o apito do trem, pois ele não trafegava. Não havia entrega de leite dos currais, pois, não se tirava leite naquele dia, “sob pena” de, ao invés de leite, o animal jorrar sangue. As rádios só transmitiam músicas sacras ou clássicas. Não se comercializava nenhuma mercadoria, em respeito ao sofrimento de Jesus Cristo, traído por Judas, em troca de 30 moedas. Os bares e outros ambientes de entretenimento não funcionavam, em respeito à morte de Jesus Cristo.
Adultos e crianças pobres, de casa em casa, faziam um apelo, na Quinta- Feira Santa e Sexta Feira da Paixão, pedindo esmolas:
-UMA ESMOLINHA, PELO AMOR DE DEUS, PRA MINHA MÃE JEJUAR NO DIA D’OJE!
O Sábado de Aleluia era um dia diferente e menos triste, uma vez que se revivia, e ainda se revive, a expectativa da Ressurreição de Jesus Cristo.
À noite, enquanto o Padre celebrava a Missa da Aleluia, entoando cânticos de louvor, o sino da Matriz da Imaculada Conceição repicava, em regozijo pela Ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo.
A liturgia da Páscoa, ou Passagem, ocorre pela madrugada. Ao amanhecer, é o Domingo de Páscoa, a festa da Ressurreição de Jesus Cristo.
A Páscoa Cristã é uma das festividades mais importantes do Cristianismo. A Ressurreição de Jesus Cristo, prova que Ele é o Filho de Deus, feito homem.
De acordo com o calendário cristão, a Páscoa consiste no encerramento da chamada Semana Santa.
No tempo da minha infância e juventude em Nova-Cruz, não se falava em Ovos de Páscoa, nem se dava presente de chocolates a ninguém. O mercado de chocolates era muito precário. E Ovos de Páscoa, lá, era utopia.
Terminava a Semana Santa e a saudade batia, pois os estudantes voltavam às aulas, inclusive aqueles que estudavam na capital potiguar. O fluxo de pessoas que passavam a semana Santa em Nova-Cruz era grande, Iam rever os parentes que lá residiam.
Violante Pimentel – Escritora