LINHAS TORTAS –

A história da humanidade nos dá conta que em tudo que se faz ; no que se pinta, se desenha, se esculpe, se dá relevo, ou sentido de algum modo, a alguma coisa; sempre ficará inserido um indiscutível ponto em comum. O poder da síntese aliado à força que jaz nas imagens. Desde os desenhos rupestres, aos daguerreótipos, passando pelo cinema, até as atuais fotografias em alta definição. O mesmo se aplica a todos os tipos de textos, concebidos de forma minimalista ou não, visando a busca de um mesmo fim. Sempre a perseguir a complexa questão da construção de frases através de um viés harmônico ou estilo bem diferentes, a fazer do que se escreve algo crível. O que às vezes não é o bastante. O suficiente pra se querer continuar indo em frente. Difícil de encontrar a palavra que corresponderia ao que se quer dizer. Simplesmente porque é muito complicado mostrar as coisas como elas passam nas nossas cabeças. De fazer comentários esteticamente bem estruturados, até um tanto inoportunos em determinados contextos. Alguns acertam na mosca. Maupassant, por exemplo, no conto“ A Noite”. Flaubert em “Salambô”, que antes de morrer ele a chamou de “cette vieille toquade”; e foi entendido por Ezra Pound como “uma a velha charada vestida à fantasia”. Na música, também. Aí estão os exercícios estruturais e minimalistas encontrados nas peças do Philip Glass. A complexidade do Franz Liszt no seu poema sinfônico “Os Prelúdios”. E Francis Kleynjans na sua magistral “A l’aube du dernier jour”. Onde eles tentam incorporar sentimentos e imagens reais ao subjetivismo sonoro. Gerir o tempo disponível construindo esses tipos de coisas, esses caras que o digam.

Num tempo onde predominam mais as imagens como forma de comunicação, já estaria se aproximando o dia nas redes sociais em que as palavras se encolheriam ainda mais, só pra servir como notificação subjacentes a elas, as fotos? Claro que não, as fotos, a música, a literatura entrelaçadas continuarão e pujantes como sempre. Muitos continuarão preferindo projetar imagens um tanto pictóricas, por razões poéticas, quem sabe. Ou camuflar na escrita aquela falta de coragem de dizer objetivamente aos outros o que se pensa. Explicitar outras razões aqui fugiria, talvez, ao escopo de um monólogo. A verdade é quando escrevo alguma coisa, prefiro viajar pensando que sempre haverá um rio na vida. Quando não o vejo, pra manter o norte, um riacho eu tento. Às vezes não dá certo, mas mesmo assim eu invento. Certa vez construí num poema um lago enorme, mesmo suspeitando que o volume d´água imaginado viraria um espelho líquido, estagnado e imenso. Que não iria a lugar nenhum. Em outras ocasiões me enredei na correnteza que escorria sem pressa das barrancas do rio Itapecuru, pois ele (como eu) nunca liga pra distância, até avistar o mar da baía de São Marcos. Tudo pra dar vazão ao meu gosto de falar. Azo ao meu prazer de andar e olhar. E asas na minha boca pra chegar a ouvidos, olhos e mentes, muitas vezes mentindo. Eis a justificativa um tanto distraída inserida no prazer de um afazer maior e um tanto supérfluo. De me tentar fazer entender por linhas tortas. Da vontade de seguir em frente, sem aquela sede de querer chegar tão cedo ao fim do poço. Razão de fazer da vida um lento exercício da arte de fugir da melancolia do dia a dia. E não acordar do seu sono leve os seus fantasmas.

 

 

 

 

 

José Delfino – Médico, poeta e músico
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