LIVROS E CIDADES –
Seja viajando profissionalmente, seja como turista ocasional, uma coisa que faço há tempos (aliás, fazia, quando viajava deveras) é relacionar o país ou a cidade para a qual estou indo com uma obra literária, de ficção ou não, e lê-la ou relê-la, antes ou mesmo durante a minha viagem.
Para mim, alguns livros tornaram-se a história, a cara e a alma de certas cidades. As leituras fazem o viajante, posso dizer neste caso. “Amor a Roma” (1982) de Afonso Arinos de Melo Franco, “Paris é uma festa” (“A Moveable Feast”, 1964) de Ernest Hemingway e “Os anos 20” (“The Twenties”, 1975) de Edmund Wilson, respectivamente sobre Roma, Paris e Nova York, estão nesse grupo. Vou mais longe: eles criaram no meu espírito uma imagem quase sensorial dessas grandes metrópoles. É gostoso. Recomendo muitíssimo.
Sempre fiz isso de forma amadora. Aleatória. Com a obra de referência (ou de preferência) que estivesse ao meu alcance. E, lembremos, a literatura é infinita. Mas agora achei algo “profissional”. Uma ferramenta digital chamada “Books Around America”, da Crossword-Solver.com, que, em relação aos EUA, a partir do código postal ou da cidade pesquisada, permite descobrir livros cujas tramas se passam ao derredor de onde se vive (se você vive nos EUA, por óbvio) ou para onde se viaja (se estamos falando de turistas literários).
Já andei xeretando o “Books Around America”. E achei livros sobre algumas das minhas cidades de sonho e consumo nos EUA. Acerca da histórica Boston, encontrei “The Scarlet Letter” (1850), de Nathaniel Hawthorne, sobre os quais, livro e autor, eu até já escrevi. Da universitária Princeton (NJ), achei “The Rule of Four” (2004), de Ian Caldwell e Dustin Thomason, indicadíssimo para quem se vê resolvendo mistérios no ambiente de uma gigante instituição de ensino. De Los Angeles, topei com “The Big Sleep” (1939), de Raymond Chandler (1888-1959), o meu escritor noir preferido (e que me desculpe o grande Dashiell Hammett). “Interview with the Vampire” (1976), de Anne Rice, mostra as ruas de uma Nova Orleans que devaneio não tão diferentes da atual cidade de festas e crenças. E, claro, tem a gigante Nova York, cidade, mas também o Estado, com tantos títulos, entre eles “The Great Gatsby” (1925), de F. Scott Fitzgerald, para mim a quintessência da riqueza e da Era do Jazz americanas. Mas isso são apenas as minhas preferências. Há muito mais. Afinal, se a citada NY é colossal, a literatura, como já dito, é infinita.
Para ilustrar ainda mais, vou fazer uso de uma estória/história passada em uma belíssima cidade do sul dos EUA: Savannah, no estado da Georgia. O livro é “Midnight in the Garden of Good and Evil” (1994), de John Berendt. É um “romance não ficcional”, pois baseado em fatos reais. Basicamente, narra a história de um colecionador/negociante de arte, acusado e julgado pelo homicídio de um garoto de programas, tido por seu amante. Um “romance jurídico”, portanto. Mas o livro é também, explicitamente, um retrato da linda Savannah e do profundo sul dos EUA. Foi e é best-seller do New York Times ou de tantas outras listas do gênero.
O livro foi transposto para o cinema em 1997. O roteiro é mais ou menos fiel ao livro e à história original (de boca em boca, cada um acrescenta o seu fuxico). Mesmo título, com direção de Clint Eastwood e estrelado por craques como Kevin Spacey, John Cusack e Jude Law. E gente da própria cidade, famosos ou não, figuram no filme. De toda sorte, aqui, a cidade ganha dimensões superlativas. O filme foi rodado quase inteiramente na Savannah de alamedas e mansões, incluindo a Mercer House, registros de um passado, glorioso e trágico, ainda não inteiramente findo.
Curiosamente, ainda hoje me recordo do dia em que comprei o DVD do filme, em Cambridge (UK), porque estava numa promoção dos diabos. E recordo-me da vontade de conhecer o sudeste dos EUA, Savannah, Charleston, Richmond e por aí vai. Tive a oportunidade e confirmei suas belezas. Aliás, não só eu. Dizem que, após “Midnight”, o livro, o turismo em Savannah cresceu exponencialmente. A literatura é boa em todos os sentidos.
Bom, às vezes essa minha mistura ler e visitar não dá certo. Paciência. Entre ler e poder, a distância é enorme. C’est la vie. Por enquanto, aliás, seja pelo rescaldo da pandemia ou pelas moedas estrangeiras nas alturas, a gente vai só sonhando com essas terras distantes. Paradinhos, lendo livros, assistindo a filmes ou xeretando essas ferramentas interativas curiosíssimas.
Marcelo Alves Dias de Souza – Procurador Regional da República, Doutor em Direito (PhD in Law) pelo King’s College London – KCL