LIVROS ENCANTADOS –
Durante um longo tempo meu marido insistiu em me dar um leitor digital. Não queria de forma alguma. Qual graça teria não sentir as folhas sendo passadas na velocidade de minha leitura, retornando algumas vezes para rever o diálogo apaixonado que tanto ansiei? Bati o pé e não concordei. Dois anos de insistência e, em uma viagem, ele me venceu: um kobo, batizado por mim de Koboboy. Não o recebi tão animada quanto ele esperava. Chegamos ao hotel e Flávio abre a caixa, carrega o novo membro da família, mexe daqui e dali e me diz, feliz, que já posso comprar meus livros, pois o cartão de crédito já estava cadastrado.
Comprar? Pensei. Eu não compro livros, eles me escolhem! Parece loucura isso? Então, me lembrei de um desejo. Sempre quis ir ao cinema sozinha. Nunca tinha tido essa experiência. Íamos nós dois ou com os filhos ou com mamãe. Um dia decidi ir desacompanhada, apenas com uma caixa de Bis e um pacote de pipoca. Sentei no meio da fileira. O filme começou. Foi uma experiência horrível. Não tinha para quem falar baixinho que o personagem parecia com aquela vizinha que não vemos há tanto tempo. Ou dizer como o ator envelheceu. Será maquiagem?, perguntaria. Flávio me responderia: acho que não, deve ser o tempo mesmo. Saí do cinema mais chateada que feliz e, para passar este mal estar, entrei na livraria.
Foi então que entendi. Não sou uma mulher de entrar sozinha no cinema. Sou aquela que entra sozinha nas livrarias. Quando em família, tento discretamente me afastar de todos e sentir os livros… A paz que me trazem… Caminho lentamente vendo os livros expostos. Meu desafio é ter lido, ao menos, um livro de cada gôndola. Quando percebo que não consegui meu objetivo, paro em frente àquele monte de livros pelo tempo necessário até ser escolhida por um deles. Ele me atrai. O livro certo. Sempre foi assim. Passo a mão com carinho em sua capa, abro a última página e leio a última frase escrita. Um hábito! Volto para a contracapa e, depois de repetir estes gestos algumas vezes, caminho para o caixa na certeza de ter sido escolhida pela próxima leitura. Este é o meu passeio para fazer sozinha, não o cinema.
Então, quando o Koboboy chegou eu pensei qual seria o meu ritual com ele. Foi difícil de encontrar. Ele me sugeria livros pelos autores já lidos ou pelo padrão que havia seguido nos últimos meses. Enquanto lia meus e-books olhava sorrateiramente para a caixinha ao lado da cama, cheia de marcadores de páginas e pensava qual seria a finalidade deles agora. Consegui encontrar um meio termo e, enfim, entendi que alguns livros devo ler na forma física e outros são para as leituras “virtuais”. Tem como explicar? Não consigo. Meus marcadores de páginas voltaram a ter utilidade e o Koboboy foi ganhando livros e mais livros, passeando comigo nas salas de espera nas consultas médicas e ao aguardar os filhos na porta da escola.
Este ano ele resolveu travar. Ligo-o e suas letras estão todas apagadinhas. Engraçado que era o momento que eu mais precisava dele! Encomendo livros físicos e demoram duas semanas ou mais para chegarem aqui. Se ele estivesse “vivo”, em dois toques na tela o livro se abriria para mim. Foi vingança por parte dele? Não acredito que ele seja tão sentimental assim. Somos amigos, íntimos, dividimos muitos sentimentos ao longo destes anos. No entanto, olhando-o moribundo em minha gaveta penso que ele me faz falta e percebo também a saudade que estou de entrar numa livraria e me deixar ser resgatada pelo próximo título, me entregando às leituras e saboreando a liberdade de andar por tantos mundos…
Bárbara Seabra – Cirurgiã-dentista e Professora universitária