As pilhas vêm dos Estados Unidos, na Europa e na Ásia e se acumulam em regiões pouco habitadas, como a zona franca do porto de Iquique, a 1,8 mil quilômetros de Santiago.
Há um comércio local de venda dessas roupas, geralmente proveniente das redes de “fast fashion”, mas grande parte é descartada.
A mecânica que abastece essas grandes redes de roupa é a de produzir em larga escala peças que vão durar pouco, com preço baixo e mão de obra em países como China ou Bangladesh.
Não é a toa que o número de coleções de uma rede de “fast fashion” pode chegar a 50 por ano.
Segundo estudo da ONU de 2019, a produção de roupas no mundo dobrou entre 2000 e 2014. Além disso, o uso de componentes químicos barateiam o custo das peças, mas poluem o meio ambiente e inviabilizam processos de reciclagem.
“Com o fast fashion e a aceleração do consumo, mesmo que a gente diminua em percentual, está sobrando mais roupa porque acelerou a produção. Assim como o consumo e a população também cresceram”, explica Marilia Carvalinha, especialista em negócios de varejo de moda.
“A marca vende 70%, 80%, 90%, 98% mas mesmo esse ‘pouco’ percentual que sobra é muito em volume, em toneladas, em peças”.
“É uma questão exponencial. Se a gente pensa que todo mundo quer comprar mais, então a marca também quer vender mais”, afirma Carvalinha.
Só em Gana chegam, semanalmente, mais de 15 milhões de peças aos lixões de roupas. No Atacama, são despejadas cerca de 59 mil toneladas por ano.
Francisca Dantas Mendes, professora de Moda da EACH, já fez pesquisas na área e constatou que um caminhão de coleta domiciliar recolhe na região central de SP cerca de 20 toneladas de roupa e 35 toneladas de resíduos de confecções por dia.
Relação entre consumo e descarte
Para Carvalinha, que também é coordenadora de pós-graduação de negócios e varejo da FAAP, são as peças de “moda” que mais sobram, aquelas tendências que ficam marcadas a cada estação.
Assim, uma possibilidade é redistribuir a produção de peças atemporais que poderiam ser reabsorvidas nas lojas sem ficarem datadas.
A especialista já sente uma mudança no comportamento do consumidor com relação a décadas anteriores.
“As marcas e o público não parecem se incomodar mais com aquela coisa de ser da ‘coleção antiga’. Isso deixou de ser uma coisa pejorativa e passou a ser até interessante, teve uma mudança de percepção de valor do que não é necessariamente novo”, diz.
“Isso pode ser muito interessante para a maneira que a gente vai reorganizar a produção e o consumo de moda: ressignificar o que é ‘velho’“.
Nas pilhas, é possível ver de tudo: camisetas básicas, tricôs natalinos, sapatos, muitas roupas iguais, peças únicas, bolsas, casacos.
Outras alternativas
A reciclagem também é uma das alternativas, mas para que o processo seja proveitoso é preciso fazer a separação dos materiais, como zíperes e botões, um processo que não acontece na escala necessária atualmente.
Outro ponto que inviabiliza o caminho é a composição dos tecidos, que, não só não é pura (uma camiseta 100% algodão), como têm produtos químicos sintéticos e muito nocivos ao ambiente.
Em média, a estimativa é que o material leve cerca de 200 anos para se desintegrar no meio ambiente.
“O dinheiro acaba indo para soluções tecnológicas, então desenvolver equipamentos que consigam separar o aviamento dos tecidos para reciclagem, achar soluções tecnológicas que comecem a ir em direção ao processo de resolver esse excesso”, defende Marília.
“Precisa também melhorar as tecnologias em todo o processo, pensar muito em reciclagem, mas ainda é ínfimo. Acho que está muito longe uma solução para grande escala”.
Além da reciclagem que transforma os resíduos têxteis em outros produtos, há também o “Upcycling”, quando peças novas são criadas a partir de materiais usados.
Além de tudo um problema social
A maioria das roupas que vai para lixões têxteis foram produzidas na Ásia e na África a custos baixos.
Depois de ser exportada para os países desenvolvidos, “o que sobrou” retorna para poluir nações emergentes, mas além da questão ambiental, é de se pensar nos impactos sociais da indústria.
Nem é preciso ir longe, já que a exploração da mão de obra em regiões como Brás e Bom Retiro, em São Paulo, não é novidade no Brasil.
Para Francisca, da EACH, a discussão sobre lixões também inclui repensar a forma como se paga os funcionários na cadeia da moda.
“A ganância, a busca pelo lucro está dissociada de uma consciência de pagamento justo no processo produtivo e o preço correto do produto”, explica ela.
“O problema não é na redução da produção. Tem que se pagar corretamente a produção, o que faria naturalmente que o processo produtivo fosse menor”, na opinião da especialista.
“Dentro do processo produtivo de produção de roupa nova, não vejo nenhum movimento de conscientização para a redução da quantidade no processo produtivo. Vejo só uma preocupação de ficar bem na fita”.