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Rinaldo Barros (*)
Faz um tempinho que estou assuntando sobre uma questão que pode “comprar” uma encrenca grande, principalmente com a esfera dos que pensam e praticam a Psiquiatria. Espero ser compreendido, antes que decidam pelo meu internamento.
Nesta conversa, quero colocar em debate a inconsistência e incoerência de considerar a doença mental como “problema individual”, com diagnóstico exclusivamente médico.
Tomemos como exemplo a esquizofrenia, uma das doenças mentais mais conhecidas pela maioria (leiga) da população. Pois bem, a esquizofrenia nunca (eu disse nunca) foi definida através de qualquer comprovação da histopatologia ou patofisiologia, ciências que estudam, definem e classificam as doenças.
A esquizofrenia é definida como síndrome. O que é uma síndrome?
De acordo com Thomas S Szasz (psiquiatra húngaro, radicado nos Estados Unidos – 1920 a 2012), em seu texto “O Mito da Doença Mental”, síndrome é um grupo de sinais ou sintomas que ocorrem em conjunto e caracterizam uma doença.
Ou seja, trata-se nada mais do que outro ardil psicossemântico para afirmar que uma “doença” sem lesão histopatológica ou anormalidade patofisiológica demonstrável é, apesar disso – mesmo assim – uma doença (com estatuto médico).
Aquilo a que os donos do saber psiquiátrico se referem como “sintoma” é apenas um conjunto complexo de justificações morais e legais para isolar alguém que está incomodando de alguma forma ou em algum lugar.
Na base das justificativas psiquiátricas (científicas) está o conceito de loucura bioclássico: “a doença mental está dentro do indivíduo, é um problema individual”.
Para se iniciar uma transformação consistente, uma das providências mais urgentes é a construção de um novo conceito que tenha condições de ser aceito e posto em prática. Não adianta simplesmente negar que as doenças mentais existem, que são puras etiquetas, etc. Elas existem concretamente, e se manifestam através da alteração do psiquismo ou do sistema nervoso central.
É preciso construir e propor uma outra abordagem teórica, onde a doença mental seja considerada como fenômeno social (e não como codificação do CID, editada pela OMS), explicando as diversas e complexas relações (objetivas e subjetivas) envolvidas no seu processo de surgimento.
Uma conceituação de doença mental com a qual somos tendentes a concordar é aquela explicitada pelo professor Luís Meyer, da UnB. Ensina Meyer que “no campo onde se desenvolve a intersubjetividade, loucura e razão não são excludentes, mas formam um par cambiante”.
Quer dizer que, na lógica do inconsciente, loucura e razão são apenas momentos dentro da dinâmica viva do processo de existência do ser humano no mundo. Significa afirmar que estamos sempre em disponibilidade face a…loucura ou razão. Sem esquecer os condicionantes espirituais e os valores desenvolvidos pelo ser humano em sua trajetória evolutiva.
Lembremo-nos, entretanto, que o quadro real é ainda mais complicado que o simples enunciado de um conceito e sua aplicação. Todos nós estamos, permanentemente, em competição potencial uns com os outros.
Temos questões sociais concretas difíceis a enfrentar: estereótipos, preconceitos, estigmas e tabus são alguns dos fenômenos gerados no seio das diversas formações sociais, com variações no espaço e no tempo.
Pergunto eu: uma “doença” resultante fundamentalmente da interação sociocultural povoada por relações sociais e/ou subjetivas tensas, estressadas, deterioradas, hierarquizadas, contraditórias, poderá ser “tratada”, competentemente, através de terapêuticas medicamentosas ou de manutenção (cirurgias, choque insulínico, entre outras)? Ou esse “tratamento” é apenas um paliativo, e uma confissão de impotência frente a complexidade da questão? Para terminar, deixo aqui uma reflexão para o caro leitor.
Em princípio, consideramos que a questão da loucura é subjacente à questão da Liberdade individual, em seu mais amplo sentido; enquanto inadequação das necessidades psíquicas da pessoa ao contexto (época, lugar e normas) em que vive.
Se a concepção e prática médica, com a intenção de enfrentar e tratar o problema, limita ainda mais essa individualidade, objetivamente, não está recuperando a saúde mental dos envolvidos.
Esta abordagem instituída não considera que, na vida, “às vezes é preciso enlouquecer para sobreviver”.
Ah! Sobre o tema, tem um livro recente, deste locutor que vos fala, (Mentes Fraturadas) propondo um debate sobre o conceito de Saúde mental, já à disposição dos interessados, nas livrarias de Natal, ou pelo email: [email protected]

 

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