Padre Honório gostava muito de animais. Dizia sempre que eles, quando bem tratados, eram mais dóceis do que os humanos. Só atacavam para se defender. Para ele, era difícil aturar pessoas inconvenientes, ignorantes e tagarelas.

O sacristão da Igreja, da qual era o vigário, tinha sido dispensado por contrariar suas ordens, ter o raciocínio lento e ser desorganizado. O Padre estava cansado de gente burra.

De uns tempos para cá, muito ranzinza, levou a capricho e permaneceu sem sacristão. Preparava o altar, as galhetas com água e vinho para serem misturados e consagrados em Sangue de Cristo, organizava a Missa e selecionava hinos e orações. Vestia os paramentos sozinho e aguardava, no altar, a chegada dos fiéis.

Padre Honório morava com os pais e uma empregada doméstica, o que era comum em paróquias do interior nordestino. Sua residência ficava ao lado da Igreja, havendo entre elas uma porta de comunicação.

Há quinze anos, Dona Gabi, sua mãe, recebera de presente um papagaio, ainda empenando. Lourinho, era a alegria da casa. Interagia com o vigário, cantava os benditos que ouvia nas missas e nos terços de maio, e não deixava de atender quando alguém conhecido lhe pedia: “Dá cá o pé, meu louro.”

No mês de maio, depois do Terço noturno, o padre e os fiéis cantavam a belíssima Ladainha de Nossa Senhora, em Latim. Enquanto todos cantavam, o padre distinguia, um pouco distante, uma vozinha afinada e aguda, que acompanhava o coro: “O-O-RA PRO NOBIS!” Padre Honório descobriu que a voz tímida que ele ouvia era a de Lourinho.

Anos depois, o Padre Honório faleceu e, muito triste, na mesma semana Lourinho fugiu.

Passados cinco meses da morte do Padre Honório, um grupo de caçadores ouviu, dentro da mata, uma cantoria religiosa, que parecia vir de algum mosteiro. Os homens adentraram à mata, à procura do suposto mosteiro, mas nada encontraram. De repente, um bando de papagaios pousou numa grande árvore, diante dos caçadores. Todos entoavam, compassadamente, e com voz afinada, a Ladainha de Nossa Senhora:“Sancta Maria, oora pro noooobis/ Sancta Dei Genitrix/ oora pro noobis/ Sancta Virgo Virginum, oooraa pro noobis. Mater Christi, oora pro noooobis/ Mater divinae gratiae, oora pro noobis/ Mater purissima, oooraa pro noobis……………………………..”

Zé Bento, um dos caçadores que frequentava a Igreja e tinha amizade com o vigário, reconheceu Lourinho, puxando a cantoria, e se emocionou. Sabia do carinho que o finado Padre Honório tinha por ele.

Para tirar a dúvida, o caçador perguntou:

– Lourinho, cadê Padre Honório?

E Lourinho respondeu:

– “Padre Honório “tá” dormindo…….Padre Honório “tá” dormindo”…”

E os papagaios, cantando a Ladainha, voaram em bando e desapareceram dali.

Lourinho havia ensinado aos “companheiros” a cantar a Ladainha de Nossa Senhora.

Violante Pimentel  –  Escritora

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