A conversa de hoje segue o rumo das inquietações e perplexidade em relação à irrealidade do nosso mundo contemporâneo. Ando angustiado porque tenho um entendimento de que, neste Milênio, não estamos atravessando apenas mais um momento de turbulência. Estamos dentro do olho do furacão.
Uma perplexidade que, espero, não seja somente minha, mas de todos os que ainda almejam construir a cidadania e vivem as dificuldades para manter a dignidade e colocar em prática os valores civilizatórios.
Estou cada vez mais convicto de que a sociedade, acuada pela insegurança física e moral, desaba diante dos olhos de um Estado cada vez mais fraco, da impunidade que beira à anomia (pode ir ao dicionário), e de práticas indecentes por parte dos dirigentes e governantes, disseminadas por todos os segmentos sociais.
Lamento informar, mas estamos num mundo volúvel e volátil pautado pelos caprichos do capital financeiro, sem pátria, sem regras e sem lei que o regule. Um mundo que gira como uma roleta, como uma banca de apostas onde o único valor é o lucro fácil, sem qualquer compromisso com o desenvolvimento das sociedades.
Recentemente, encontrei respaldo para minhas suspeitas no sociólogo polonês Zygmunt Bauman, em seu livro “Tiempos Líquidos”, Tusquets editores, México, 2008. Bauman me ajudou a entender melhor esse nosso tempo sem raízes, sem memória, através um conjunto de análises que ajudam a elucidar esses descaminhos.
Aprendi que a modernidade resultou da fragmentação do que antes era sólido.
Bauman aponta cinco pontos representativos dessa mudança de curso, sem precedentes na História.
1) Desmantelamento das organizações sociais – a velocidade das alterações ocorridas nas organizações sociais fez com que estas não mais consigam manter seu formato e se dissolvem rapidamente. O controle social se desmancha gradativamente, em marcha acelerada.
2) Fragmentação do Estado moderno – o poder antes era circunscrito ao Estado de cada nação. Hoje, o poder é globalizado e se afasta na direção de um espaço global, planetária; mas – contraditoriamente – o poder local continua sendo exercido em cada lugar, de forma fragmentada, pulverizada, desarticulada. O Estado nacional tende a se tornar impotente frente às grandes questões sociais e econômicas.
3) O mercado, o consumismo, substitui as relações sociais – a comunidade, como forma de se referir à totalidade da população que habita um território soberano, perde substância e significado. Os laços inter-humanos se tornam cada vez mais frágeis e descartáveis porque são regulados pelas leis do deus-mercado. A exposição e submissão das pessoas aos caprichos do mercado de força de trabalho, de mercadorias e de serviços inspiram e promovem a divisão do trabalho, a competição e o individualismo; em detrimento da colaboração, da cooperação e do trabalho em equipe.
4) Colapso do pensamento – estão cada vez mais relegados a segundo plano o pensamento formulador, o planejamento e as ações de longo prazo, do que resulta o enfraquecimento das estruturas sociais; e coloca em risco a construção do desenvolvimento sustentável. Dessa forma, a vida fica fragmentada, sem continuidade histórica. O conhecimento do passado não assegura a probabilidade de vitórias futuras. Na correria cotidiana, não há tempo para reflexões ou novas construções teóricas; não se planeja e não se tem noção para onde estamos caminhando.
5) Desequilíbrios da economia global – metade do comércio mundial e mais da metade do investimento global beneficiam apenas 22 países, os quais acomodam apenas14 por cento da população mundial. Noventa por cento da riqueza total do planeta estão nas mãos de apenas (01) hum por cento de seus habitantes. E não há qualquer instrumento ou mecanismo à vista capaz de deter essa maré global de polarização entre o poder e a riqueza, de um lado, e a crescente miséria material e espiritual, na ponta dos famélicos esquecidos; e manipulados por alguns sabidos.
Até porque, diferentemente do que acreditei um dia – miséria não gera consciência.
Pelo andar da carruagem, as consequências desta globalização são e serão desastrosas, pois o que se vê é a concentração de riquezas e de poder, ao lado do crescimento do desemprego, da miséria, da exclusão social, e da violência urbana, com drogas e criminalidade crescentes.
Ingenuamente, talvez, como queria Agostinho (354 a 430 d.C), só me resta continuar com a Esperança, ao lado de suas duas filhas lindas, a Indignação e a Coragem; ainda uma vez mais, com a única arma que possuo – a palavra – gritando para tentar construir um mundo melhor. Uma luta vã, reconheço.
Rinaldo Barros é professor – rb@opiniaopolitica.com
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