- Macaíba sempre foi rica em tipos populares, figuras humildes que marcaram o cotidiano simples da cidade. Em crônicas passadas, e, em livros, registrei a profundidade vital de muitos caracteres, através de tiradas espirituosas mas espontâneas saídas da humana contradição de ser. Epifânio, surge hoje, lembrado por um amigo comum. Alto, narigudo, Epifânio ganhava a vida fazendo fretes de mercadorias no seu carro de madeira. Era homem bom e crédulo, apesar de sua mulher “costurar pra fora”em alta rotatividade. Toda a cidade o sabia menos Epifânio. Dia sim, dia não, a mulher aparecia em casa com um liquidificador, um ferro elétrico, um rádio de pilhas e, ao ser indagada pelo marido sempre se saia com um desculpa inapelável: “Tirei no bingo, meu filho!”. Certa vez, no bairro Alto da Raiz, onde moravam, faltou água. Do banheiro a mulher grita para o marido: “Epifânio, traga água para o meu banho!”. O obediente maridão, já no prelúdio de desconfiança, trouxe-lhe a água num caneco de óleo de cozinha. “Mas, filho”, reclama a esposa perua: “assim não dá!”. Foi aí que Epifânio resolveu chamar a pedra noventa: “Pelo menos dá pra lavar a cartela!”.
- Napoleão Feitosa, “O Bispo de Braga”, era sapateiro próximo as Cinco Bocas, centro de Macaíba. Barrigudo, óculos de pernas remendadas, “Napole” como era chamado na bodega de seu Alfredo Almeida, nunca perdeu o expediente diário de três “lapadas de cana” até os oitenta anos. Família numerosa, sustentava os filhos com o suor do seu ofício. Morava no Alto do 35, hoje rua Dom José Joaquim de Almeida. Mas, o fato marcante do “Bispo de Braga” era o seu vocabulário próprio de palavras criadas e disparadas conforme o assunto. Para classificar um indivíduo que estava embromando ou falando demais, “Napole” sapecava um diagnóstico “essa é uma ‘pilostenia vagante’”. Quando queria justificar uma ausência ou a sua falta a determinado compromisso, aí vinha com a desculpa “foi um crospício vagatório”.
- O Bar Gato Preto, sempre foi povoado por imensa galeria de vultos inesquecíveis que faziam ali o território sentimental da cidade. Era o balcão do cidadão que consagrava e desconsagrava, julgava e punia os que fossem achados em culpa. Na sinuca consagraram-se Perequeté, Banga, Geraldo Alcapone que maravilhavam os “pirus” com jogadas cerebrais. Antonio Assis, Waldemar Diógenes Peixoto, Né Macena, Paulo Marinho e Sabino eram frequentadores que também excursionavam na barbearia do cirurgião Zuca, PhD em escalpo de couro-cabeludo. Havia ainda outras figuras hoje impregnadas nas paredes do bar e nas esquinas das Cinco Bocas comentando as ocorrências do seu tempo, dois idos de cinquenta e sessenta como chamas votivas que não se apagam.
- Macaíba é rica em figuras folclóricas. Já fiz desfilar na galeria infinda inúmeras personagens. O “gango”, por exemplo, era o famoso cabaré macaibense onde pontificou um plantel digno de fazer inveja ao técnico da atual seleção brasileira de futebol. E de lá emerge Pirôba, rapariga de longo curso e discurso intermináveis nas campanhas políticas pelas ruas e bares da vida. Nos idos de oitenta, Pirôba não perdia uma carreata. Era “valerista” de carteirinha. Numa peregrinação política motorizada (ônibus, caminhões, automóveis, motos, etc.), Pirôba foi advertida que deveria se retirar do ônibus, pois estava reservado somente às mulheres casadas. Discriminação intolerável que Pirôba reagiu matando a pau: “E mulher casada não f… não?”. E ficou.
Valério Mesquita – Escritor – Mesquita.valerio@gmail.com