No dia 29 de maio, um domingo, dois carros aguardavam na fila para entrar em um motel na Grande Natal, quando foram surpreendidos por assaltantes armados. As pessoas que estavam em um dos veículos tentaram fugir, dando marcha à ré, e um dos criminosos atirou. O disparo atingiu a cabeça de uma mulher que estava no outro carro. No dia seguinte um homem foi preso suspeito de ser o atirador. Ele usava uma tornozeleira eletrônica.
O caso ilustra uma preocupação do Ministério Público do Estado: 15 promotores que atuam nas áreas Criminal e do Patrimônio Público emitiram uma nota onde criticam o modo com que o regime semiaberto é operado no Rio Grande do Norte, com as tornozeleiras. A Associação de Delegados da Polícia Civil subscreveu a nota. Vinte e quatro delegados assinaram o documento.
De acordo com os promotores, o MP já entrou com mais de 10 recursos junto ao Tribunal de Justiça, em casos específicos, para modificar essa realidade. O problema, segundo reivindicam os promotores, é que o regime semiaberto não é executado da maneira como determina a lei.
O promotor Alexandre Frazão, da comarca de Assu, é um dos que assinou a nota pública. Ele explica que o regime semiaberto deveria ser cumprido em uma unidade prisional adequada, que permitisse ao preso trabalhar dentro das próprias dependências do presídio e, à noite, se recolher à cela.
Em exceções, Frazão diz, poderia ser concedida a permissão para que esses internos passassem o dia fora das unidades carcerárias, sob a justificativa de que haviam conseguido um trabalho formal, ou estavam estudando. “Atividades que contribuíssem para a sua para a sua ressocialização”, acrescenta Frazão.
Atualmente, os detentos que conseguem a progressão saem das penitenciárias utilizando tornozeleiras eletrônicas, que monitoram onde eles estão. Contudo só têm a obrigação de estar na casa onde moram entre as 20h e as 5h. No restante do dia, não têm restrição de locais a frequentar.
Na nota, os promotores questionam se existe mesmo o cumprimento do regime semiaberto no estado potiguar.
“Muitos desses ‘apenados’, então, aproveitam essa liberdade irrestrita durante o dia e parte da noite para praticar crimes, usar drogas ou realizar outras atividades ilícitas. Converse com qualquer agente que trabalha na segurança pública e ele contará diversas situações semelhantes envolvendo ‘presos’ do semiaberto que não estão efetivamente presos, mas praticando crimes, inclusive com vítimas fatais, como ocorreu recentemente na comarca de São José do Mipibu, fato amplamente noticiado pela imprensa”, dizem os representantes do MP no comunicado.
Na última quinta-feira (9), o Fórum Brasileiro de Segurança Pública divulgou dados que revelaram que o Rio Grande do Norte é o estado do país com a maior taxa de mortes violentas por 100 mil habitantes: 68. Foram 2.386 mortes violentas no estado em 2017 no estado.
Os promotores acreditam que a mudança na aplicação do regime semiaberto por contribuir para mudar essa realidade. “Um dos fatores que poderiam certamente contribuir para minimizar esse cenário catastrófico seria a modificação do entendimento judicial, existente em várias comarcas do estado, que permite ao preso do regime semiaberto utilizando tornozeleira eletrônica ficar livre durante o dia para fazer o que quiser, devendo apenas se recolher em sua residência entre 20h e 5h”, diz a nota.
Mais de dez recursos sobre o tema do Ministério Público aguardam por decisão no Tribunal de Justiça. Os promotores querem que o Poder Judiciário se posicione de modo a não permitir que os apenados sejam postos no regime nessas condições. “No regime semiaberto, pela Lei de Execução Penal, o apenado só deveria sair diariamente do estabelecimento em que cumpre pena para trabalho ou estudo, devendo depois retornar para seu cárcere. (…) Caso a lei fosse aplicada com mais rigor, os “presos” que estão soltos e que participam de diversos delitos que ajudam a contribuir para o indecoroso lugar no ranking da violência alcançado pelo RN só teriam autorização para deixar sua residência para lugares e durante período de tempo previamente autorizados”. diz a nota.
Os promotores querem que os presos em situação de semiaberto, mesmo cumprindo em casa a sua pena, só tenham permissão para sair em caso de trabalhar ou estudar. Essa condição seria uma exceção ao semiaberto em condições normais. Entretanto, com a falta de unidades que permitam o trabalho interno, torna-se, para os promotores, uma regra alternativa para não causar prejuízos à sociedade.
O horário destinado a essas atividades seria informado, e os endereços dos locais cadastrados na tornozeleira eletrônica. Isso faria com que a Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejuc) pudesse controlar as saídas e se certificar de que os presidiários, de fato, estavam nos lugares indicados.
“Fosse essa a realidade, certamente diversos crimes praticados por apenados do semiaberto com tornozeleira poderiam ser evitados ou, no mínimo, teriam sua realização muito dificultada, com incremento das chances de responsabilização do criminoso pelo novo delito cometido em função do monitoramento eletrônico”, argumentam os promotores.
Os recursos estão prontos para julgamento e têm parecer favorável ao acolhimento dos juízes sobre o pedido de cada um dos promotores. Os três procuradores de justiça que atuam na Câmara Criminal (Darci Oliveira, Naide Pinheiro e Fábio The) se manifestaram sobre os recursos e pediram para o Tribunal acatá-los.
Segundo levantamento do Conselho Nacional de Justiça, o Rio Grande do Norte tem, atualmente, 1.083 presos que cumprem pena em regime semiaberto.
Fonte: G1RN