MANOEL FERNANDES DE NEGREIROS: 50 anos de saudades –
Manoel Fernandes de Negreiros, filho de Porfírio Antunes de Negreiros e de Maria Alves Maia (em algumas genealogias consta como Maria Carolina Fernandes Maia – conhecida por Cocota), nascido em Iracema-CE em 31 de janeiro de 1894, migrou, ainda jovem, com os pais e toda a família, para o eldorado dos seringais na Amazônia. Não esperavam que a vida fosse ainda mais difícil. Se aqui a seca e a pobreza matavam, lá na Amazônia eram os mosquitos, a malária, e os seringais já secos, sem produzirem. Porfírio e Dona Cocota tiveram os seguintes filhos: Solon – 1891, Manoel – 1894, Carolina – 1897 (casada com Abílio Deodato do Nascimento, pais de Sanderson Negreiros), José – 1903, Margarida (casada com Pedro Ferreira do Monte), Diogo Fernandes de Negreiros (casado com Iracy Seabra de Melo), Celedon, Fenelon, Maria e Rodolfo. Perdem dois filhos em plena selva…
Morre Porfirio deixando dona Cocota carregada de filhos e filhas. Cocota lembra, então, da sua sobrinha, VÉSCIA XAVIER FERNANDES, casada com o maior empresário do Rio Grande do Norte, VICENTE FERNANDES, e vai ao seu representante comercial na Amazônia e expõe o drama que estavam vivendo. É expedida correspondência à sua sobrinha Véscia, que morava no Rio de Janeiro. Imediatamente as providências foram tomadas: financiou e orientou todo o processo de retorno – “nos caminhos da volta ninguém se perde “. Uma mulher viúva carregada de filhos na mais extremada miséria.
Descem do navio em Aracati – CE. Em carro de bois vão até Pau dos Ferros, lá não conheciam ninguém, sem hospedaria, hotel nem pensar. Solon e Manoel, dois dos seus filhos, sensibilizam o pároco para abrir a Igreja Matriz e lá se instalam, onde conseguem dormir. Posteriormente uma filha de Solon, Elizabeth, casaria com um filho de Manoel, Rafael, primos legítimos e pais deste escriba e mais cinco irmãos. Pela ordem: Paulo Eduardo, Armando Aurélio, Ricardo Rômulo, Rafael Bruno Filho, Fernando Gabriel e Glenda Elizabeth.
O encarregado dos negócios de Seu Vicente é comunicado no dia seguinte, e após entendimentos com a firma em MOSSORÓ, Seu Vicente manda buscá-los e os acomoda, empregando-os em sua empresa. De Seu Porfirio não existe nenhuma foto, pesquisei e não encontrei!
Em MOSSORÓ a situação toma outro rumo, novos contornos, empregados, ganhando bem, mesa farta, dona Cocota bem instalada, a situação cada dia melhorando. Seu Negreiros – como papai chamava meu avô – sentiu a necessidade dos estudos, pois, faturamento, duplicata, protestos, números, orientações e instruções por escrito era um mundo novo e desconhecido. Aos livros como convém, tornou-se um autodidata, com uma letra bonita e desenhada, aprendeu rápido a fazer as cartas à mão, nunca aprendeu datilografia nem quis aprender a dirigir.
Observando, sem participar das encrencas e fuxicos dentro da empresa em que trabalhava, manteve-se sempre longe das fofocas, seu lazer eram os livros, raros àquela época.
Em 1919, no dia 4 de setembro, casa-se com Maria Adelaide Fernandes Gurjão, que passou a ser conhecida como SINHÁ NEGREIROS. Seus pais eram Abílio Gurjão e Maria Urcicina Fernandes Gurjão, sua mãe, minha Bisavó Urcicina era irmã de Seu Vicente casado com Dona Véscia. Lembram da atitude desse casal? Mudou o destino de todos nós!!!
Dona Sinhá Negreiros era um poço de caridade, bondade, gentileza, educação, erudição e de muita simplicidade. Sua vida inteira era amparar as comadres e os desvalidos da sorte, não tinha hora para atender a quem dela precisasse. Convivi com ela diariamente, quando morou lá em casa durante três anos, foi através dela que fui iniciado na leitura quando me presenteou com “Os doze trabalhos de Hércules” de Monteiro Lobato. Do seu casamento com Manoel nasceram: Gabriel Fernandes de Negreiros, Francisca Ruth Fernandes de Negreiros Rosado (depois que casou com Tércio de Miranda), Rafael Bruno Fernandes de Negreiros, Rômulo Agostinho Fernandes de Negreiros, Maria Luzia Fernandes de Negreiros Costa (depois que casou com Raimundo Nonato). Perderam dois filhos bem novos.
O trabalho era intenso, só tinha hora para começar, parar só tarde da noite. Aprendeu em Tertuliano Fernandes & Cia. a receber os representantes comerciais das importantes firmas do sul do Brasil, a lutar com o agricultor que trazia o algodão, o pecuarista que trazia a pele dos caprinos e o couro do gado. Com a escola da vida resolveu desligar-se de TERTULIANO FERNANDES e pediu as contas a Seu Vicente, que muito a contragosto aquiesceu.
Fundou o seu próprio negócio, a CASA NEGREIROS, que chegou a ser um dos maiores empórios do Nordeste. Tudo começou com o capital de vinte sacas de café, que ele vendeu em uma só mão, ainda por cima fiado, o que fez Seu Vicente ficar estarrecido.
O negócio só fazia aumentar, a preocupação com os filhos era a educação, melhores colégios, melhores professores, que eles, os filhos, escolhessem o que estudar. O crédito que a CASA NEGREIROS dava aos seus fregueses era ilimitado. O Brasil no Estado Novo de Vargas, crescia, exportava de tudo. A comunicação, entretanto, era por cartas e pelo telégrafo, cada empresa tinha o seu nome que já identificava para quem ia o telegrama!
Se o freguês tinha dificuldades no pagamento das duplicatas seu Negreiros facilitava. E foi assim que começou a vender nesse nosso exsicar dos sertões, recebendo novilhos e bodes em troca de mercadorias.
Resolveu partir para a agricultura e pecuária, adquirindo propriedades, que eram a diversão dos seus netos mais velhos: Rafael, Paulo, Newton, Armando, Ricardo, Manoel Neto, Rafael Filho, Fernando, Ciro Calazans, e as netas mulheres que pouco iam lá em suas fazendas – São Gabriel e Santo Agostinho – lembravam o poema imortal de Manuel Bandeira: Pasárgada!!!
A sua casa era o Porto Seguro dos primos, parentes, aderentes, dos funcionários da sua loja comercial, todos eram acolhidos pelo casal Manoel e Sinhá, alimentados e empregados, mas tinha uma condição: todos tinham que estudar à noite. Lembro dessa frase que ele gostava: DESCANSO ENQUANTO CARREGO PEDRAS!
O homem incansável com os negócios e a família, o casal protetor e acolhedor, vê a casa de morada ficando vazia, os filhos casando e saindo, a sua severidade e rigidez dão lugar a um homem manso e mais afetivo. A perda de Sinhá foi um grande golpe no patriarca, com certeza o mais duro de todos. Aos 17 de março de 1955 ela, vovó Sinhá, resolve ir morar com seu filho Rafael e sua nora Elizabeth. Seu Negreiros cuidava pessoalmente dos seus negócios, as fazendas tomavam os seus finais de semana.
À noite, religiosamente, vinha à nova casa de Sinhá, já doente, com dificuldade de locomoção. Seu Negreiros via e acompanhava de perto, mas a medicina nada podia fazer.
Maria Adelaide Fernandes de Negreiros faleceu em 12 de fevereiro 1958. Viúvo, Seu Negreiros envereda por uma forma de vida com muita meditação e começa a praticar a IOGA. Moramos quatro anos naquele casarão, acordando às quatro da madrugada e fazendo até as seis da manhã exercícios respiratórios e de auto controle emocional, que ainda hoje me servem e muito.
Inteligentemente ele foi reduzindo os negócios de forma gradual. Com a doença e morte do seu amigo e querido irmão, Solon Fernandes de Negreiros, ficou deprimido e encontrou, em sua prima de segundo grau, MARIA ZILDA DANTAS DE NEGREIROS, uma motivação para viver, contraindo segundas núpcias, na Catedral de Santa Luzia, no dia 4 de setembro de 1963. Zilda foi sua companheira e esposa fiel até seu momento final. Em agosto de 1969 Seu Negreiros com uma disfagia (dificuldade de engolir) vai com seu filho Rafael ao Rio de Janeiro tentar um tratamento com Cobaltoterapia no Hospital dos Servidores do Estado (Hospital do IPASE), era o Hospital da Presidência da República, por lá vários presidentes tinham sido operados e curado suas mazelas, tudo debalde… de nada adiantou, a doença tirou-lhe as forças, o consumiu como quis, tendo partido no dia 07 de maio de 1970… Cinquenta anos!!!
Fica a lembrança, uma saudade que nos faz lembrar dos nossos mortos, dos meus mortos que são também de alguns de nós, na certeza de um reencontro na poeira cósmica.
Paulo Negreiros – médico dermatologista e neto
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