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*Eugenio Bezerra Cavalcanti Filho

Na primeira quinzena deste mês fomos surpreendidos por duas ocorrências trágicas, com intervalo de apenas uma semana entre elas. A primeira se verificou no dia 05, quando duas barragens da mineradora Samarco se romperam no distrito de Bento Rodrigues, do município de Mariana/MG, liberando detritos (lama, rejeitos sólidos e água), resultantes de mineração na área. No distrito, fortemente atingido, pelo menos 128 residências foram integralmente destruídas pela enorme onda de lama e dejetos. Até agora já foram registrados 11 mortos e 12 desaparecidos. A enxurrada tomou conta do rio Gualaxo e chegou ao município de Barra Longa, a 60 km de Mariana. Mais seis localidades, além de Bento Rodrigues, foram atingidas. Por ser, o rio Gualaxo, subafluente do Rio Doce, o conteúdo das barragens rompidas findou por invadir o leito deste último, por onde continua descendo, alterando sensivelmente os padrões de qualidade da água, causando impactos socioeconômicos e ambientais.

A segunda das ocorrências trágicas deste mês atingiu a cidade de Paris, no dia 13, quando se verificou uma série de ataques coordenados, com explosões e tiroteios em seis diferentes pontos da capital francesa. Foram visados restaurantes, bares, e a casa de shows Bataclan, onde se exibia a banda Eagles of Death Metal. O Estado Islâmico assumiu a autoria dos atentados. Em nota, o grupo jihadista declarou que a França é “a capital da abominação e da perversão” e que “o país e todos aqueles que seguem seu caminho devem saber que permanecem o principal alvo” (dos terroristas). Até o último sábado, dia 14, a Procuradoria de Paris confirmou, oficialmente, o número de 129 mortos e 352 feridos (99 em situação crítica).

Os dois trágicos eventos foram amplamente noticiados, em variadas mídias, e mereceram inúmeras postagens e comentários em diversificadas redes sociais, com as pessoas todas se solidarizando com as vítimas. A ocorrência em Mariana teve intensa repercussão no âmbito nacional, que até hoje perdura através de publicações pertinentes e noticiários televisivos. Além do surgimento de campanhas para donativos aos inúmeros desabrigados. Contudo, como era de se esperar, a repercussão da tragédia verificada em Paris alcançou amplitude internacional, em razão de determinados fatores, entre os quais seria de se mencionar o compromisso formal, entre grandes potênciais mundiais, de compartilharem ações e medidas no intuito de combater tão esdrúxulo, impiedoso e sorrateiro inimigo. A rede social Facebook chegou a disponibilizar certo recurso, pelo qual os usuários poderiam, caso desejassem, inserir como plano de fundo, em suas fotos de perfil, as cores da bandeira francesa, como maneira de registrar solidariedade àquela nação amiga. E muitos assim o fizeram.

Surgiram, no entanto, aqueles (e não em pequeno número) que não se sentiram muito à vontade com essa manifestação sugerida pela rede social, e adotada em grande escala pelos usuários brasileiros. Seus argumentos, mesmo não expressos literalmente, sabiam como ensaiado protesto, em relação a pretensa ausência, entre os aqui nativos, de solidariedade às vítimas nacionais na mesma intensidade que aquela prestada aos franceses. Há que se levar em conta, todavia, as distinções entre as duas tragédias e seus aspectos circunstanciais, mas sem que se estabeleçam comparativos no intuito de definir propriedade das reações. Há perdas humanas e prejuízos a contabilizar, com respeito a ambas as ocorrências em causa. Representam, tais lamentáveis eventos, catástrofes de resultados danosos irreparáveis, mas com aspectos distintos a considerar, inclusive se levarmos em conta os encadeamentos consequentes que por certo advirão, mais cedo ou mais tarde.

Diversificadas seriam as proporções dessas consequências, apesar de significativas e preocupantes. A tragédia em Mariana/MG já está sendo tida como o maior desastre ambiental no país, com danos também extensivos ao vizinho estado do Espírito Santo. Em algumas cidades, de ambos os estados, podem se verificar interrupções no abastecimento de água potável. O número de desabrigados é alarmante. E tais aspectos mostram que as dificuldades, para muitas famílias atingidas (e que tudo perderam, moradias e conteúdos), se ampliam, por espaço de tempo que ainda não se pode prever. Quanto aos sobreviventes dos ataques terroristas em Paris, merecem as manifestações de solidariedade expressas, notadamente por suas perdas, significativas ao extremo e representadas pelo covarde assassinato de parentes próximos ou de amigos. Mas não precisam de qualquer ajuda material, e nem estariam a se preocupar, em excesso, por sua sobrevivência. Por outro lado, os atentados em Paris por certo podem resultar em situação de conflito que só tende a se agravar, o que deixa todos os franceses em estado de ansiedade e preocupação.

Lembro, por oportuno, que o grande Carlos Drummond de Andrade escreveu poemas, no ano de 1984, tendo como tema a cidade de Itabira, em Minas Gerais, onde passara alguns anos da sua vida. Durante esse período teria constatado, com tristeza, a atuação danosa, e sem retorno, das mineradoras de ferro na região. Tomava conhecimento e preconizava possíveis desastres que poderiam advir de tais atividades. Agora, com essa tragédia em Mariana, que se comprova como anunciada, têm-se como proféticos, os versos do notável vate contidos nesse poema.

LIRA ITABIRANA
Carlos Drummond de Andrade

I
O Rio? É doce.
A Vale? Amarga.
Ai, antes fosse
Mais leve a carga.

II
Entre estatais
E multinacionais,
Quantos ais!

III
A dívida interna.
A dívida externa
A dívida eterna.

IV
Quantas toneladas exportamos
De ferro?
Quantas lágrimas disfarçamos
Sem berro?

*Eugenio Bezerra Cavalcanti Filho é empresário e escritor

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