Economistas e analistas ouvidos pelo Portal G1 avaliam que as medidas anunciadas pelo governo para mitigar os impactos econômicos provocados pela pandemia do coronavírus são insuficientes, falhas e não estão chegando a todos que precisam.
Pequenos comerciantes contam que vêm enfrentando dificuldades para acessar benefícios e linhas de financiamento. Donos de estabelecimentos de comércios e serviços que estão sem poder abrir as portas e têm faturamento em queda, esses pequenos empresários não conseguem acesso ao crédito prometido.
Dentre as ações já anunciadas pelo governo, estão:
- auxílio emergencial de R$ 600 para trabalhadores informais, desempregados, contribuintes individuais do INSS e MEIs;
- linha de crédito emergencial voltada a pequenas e médias empresas (com faturamento de R$ 360 mil a R$ 10 milhões) para ajudá-las a pagar os salários de seus funcionários – a operação é feita em parceria com o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e bancos privados e está liberada desde 6 de abril;
- e linha de crédito da Caixa Econômica Federal voltada ao microempreendedor individual e a micro e pequenas empresas para que obtenham capital de giro – está liberada desde 22 de abril.
Nesta terça-feira (19), o governo sancionou uma lei que cria também uma linha de crédito para auxiliar micro e pequenas empresas durante a crise do novo coronavírus. Aprovada no Congresso desde 24 de abril, a lei que cria o chamado Pronampe estava desde então aguardando apenas a sanção presidencial para entrar em vigor.
Essa nova linha de crédito vai oferecer recursos a microempresas com faturamento de até R$ 360 mil por ano, e a pequenas empresas com faturamento anual de de R$ 360 mil a R$ 4,8 milhões, a uma taxa de juros máxima igual à Taxa Selic (atualmente em 3% ao ano), acrescida de 1,25%. O valor poderá ser dividido em até 36 parcelas.
O presidente Jair Bolsonaro vetou, no entanto, a carência de oito meses para o pagamento do empréstimo – assim, a lei prevê apenas prazo de 36 meses para o pagamento. O presidente também vetou o dispositivo que impedia os bancos de negarem os recursos para empresas com restrições de crédito – negativadas ou com protestos.
Esses vetos terão de ser analisados pelo Congresso. Os parlamentares podem manter ou derrubar a decisão de Bolsonaro.
Pequenos em dificuldades
Reportagem do G1 mostrou que pequenas empresas têm problemas para conseguir essas linhas de financiamento e evitar que as portas não voltem a abrir. Relatos de donos desses pequenos negócios espalhados pelo Brasil – como lanchonete, academia e barraca de feira – sobre obstáculos para garantir pagamentos de funcionários e fornecedores, entre outros.
“As ações do governo são medíocres diante do que a gente precisa. O governo ainda vive ainda uma dificuldade ideológica e não entendeu a gravidade da pandemia e do papel do estado numa situação como essa”, afirma Carlos Honorato, consultor econômico e professor da Fundação Instituto Administração (FIA) e Saint Paul.
Ele critica tanto a demora no pagamento do Auxílio Emergencial como também na ajuda financeira para as empresas, sobretudo as micro e pequenas.
E a ajuda se faz cada vez mais urgente. Um levantamento do Instituto Locomotiva apontou que 88% dos empreendedores registraram queda nas vendas durante o período da pandemia. Além disso, 62% dos entrevistados apontaram diminuição da renda pessoal, e 58% têm contas em atraso. A pesquisa ouviu 750 empreendedores e 2 mil pessoas entre os dias 2 e 6 de maio.
Diretor do instituto, Renato Meirelles diz que, sem as medidas eficazes que combatam a queda na renda, as pessoas se sentem poucos estimuladas a permanecer em casa, o que dificulta ainda mais o controle da pandemia e adia a reabertura da economia.
Dificuldade de acesso
Segundo o último balanço divulgado pelo BNDES, o crédito aprovado até o momento em todas as ações emergenciais voltadas ao combate à pandemia soma apenas R$ 13 bilhões, de um orçamento de R$ 77 bilhões.
Para Paulo Gala, diretor-geral da Fator Administração de Recursos e professor da Fundação Getulio Vargas (FGV), falta uma atuação mais forte do BNDES no socorro aos pequenos empresários e até mesmo microempreendedores.
Para empresários e analistas, é preciso facilitar o acesso às linhas de crédito emergenciais e também oferecer mais empréstimos custeados pelo Tesouro Nacional, de modo que os agentes financeiros fiquem menos restritivos na análise e concessão de financiamentos.
“Poderiam criar uma medida provisória ou alguma coisa articulando o BNDES e o Banco Central para dar a garantia das linhas de empréstimos de forma que o microempresário fosse até o banco e conseguisse esse recurso”, diz Honorato, que sugere ainda linhas de crédito direto, sem intermediários, para micro e pequenas empresas e MEIs.
Levantamento feito no final de abril pelo Sindicato de Micro e Pequenas Indústrias do Estado de São Paulo (Simpi) mostrou que 87% das micro e pequenas indústrias não tiveram acesso à crédito e que 75% acreditam que as medidas anunciadas não estão chegando a seus negócios.
Segundo o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), o Brasil tem 17 milhões de pequenos negócios. Desses, quase 7 milhões (38%) procuraram crédito no período. Mais da metade delas (58%), entretanto, não conseguiu o dinheiro, e 28% ainda estão aguardando a liberação do banco. A pesquisa divulgada nesta segunda-feira (19) mostra que, desde o início das medidas de isolamento no Brasil, apenas 14% das micro e pequenas empresas que solicitaram crédito conseguiram.
Os mais prejudicados
Num recorte feito pela consultoria Plano CDE, os brasileiros mais prejudicados pelo impacto econômico provocado pela pandemia são aqueles com renda per capita de R$ 800 a R$ 1,5 mil. Nessa faixa, estão cerca de 50 milhões de pessoas.
Segundo a consultoria, numa família de quatro pessoas, esse grupo costuma ter apenas um trabalhador formal com salário fixo. Os demais componentes atuam por conta própria, têm pequenos negócios na informalidade e vivem de bicos. Portanto, devem ter dificuldade para se enquadrar nos benefícios do governo.
“É um grupo muito vulnerável, com 60% da renda variável, e que vai estar fora dos programas de auxílios do governo”, afirma Mauricio Prado, diretor-executivo da Plano CDE.
As demais categorias devem ter a renda total ou boa parte dela recomposta pelo Auxílio Emergencial de R$ 600. Pelo mapeamento da plano CDE, o Brasil tem 50 milhões de brasileiros com renda per capita inferior a R$ 500 e 30 milhões têm renda per capita entre R$ 500 e R$ 800.
“As classes mais baixas até que estão sendo contempladas e amparadas com algum benefício nos próximos meses, o que preocupa mesmo é essa classe que vai estar fora dos programas do governo”, diz Prado.
Prorrogação das medidas
Para os economistas, seria necessário também discutir a necessidade de prorrogação das medidas de socorro, em especial a extensão do Auxílio Emergencial de R$ 600 até o final do ano.
“Já está claro que, como não fizemos a lição de casa adequadamente, a nossa pandemia vai até dezembro. Então seria prudente ter mecanismo de apoio até dezembro. Não é tornar isso perpétuo, mas dar condições das pessoas sobreviverem enquanto não têm renda. O ano de 2020 é de emergência, é por isso que tem que separar o orçamento ‘de guerra’ do orçamento tradicional”, opina Honorato.
Fonte: G1